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Entrevista A

“Convênio entre PF e polícias estaduais não foi renovado”, diz superintendente

23 janeiro 2017 - 09h00Redação

Em entrevista exclusiva ao Jornal de Domingo, o superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, Ricardo Cubas, destacou a importância de trabalhos feitos em conjunto com outros órgãos, denominados de força-tarefa, e comentou que o um convênio que existia entre a PF o Governo do Estado, envolvendo as polícias Civil e Militar numa parceria de compartilhamento de informações de inteligência não foi renovado na atual gestão.

Cubas também garantiu que a operação “Lama Asfáltica”, um dos maiores escândalos políticos de Mato Grosso do Sul, terá um desfecho até julho. Ele afirmou que neste primeiro semestre deve ser concluído o inquérito principal e que eventuais crimes encontrados de atribuição da Justiça Estadual serão encaminhados para o Ministério Público Estadual. Ele ainda informou que, se necessário, poderá abrir novas investigações para possíveis desdobramentos.

Quanto às rebeliões nos presídios, o superintendente da PF diz que a superlotação das penitenciárias é antigo e deveriam ter sido construídas há mais tempo novas prisões. Além disso, ele acredita que é preciso repensar o sistema carcerário e a solução é criar um sistema em que o preso trabalhe no período em que está preso e não fique somente dentro de uma cela; um sistema que dê condições reais para que o preso se recupere e seja inserido no mercado de trabalho depois de cumprir sua pena. Cubas ainda acredita que essa guerra dentro dos presídios pode repercutir na região de fronteira de Mato Grosso do Sul, já que, segundo ele, há uma disputa entre grupos que buscam a hegemonia das rotas de tráfico. Por enquanto, o problema está na região Norte, forte no tráfico de cocaína, mas pode se alastrar para a nossa região, famosa pelo tráfico de maconha.

Confira a entrevista completa:

Jornal de Domingo - A questão indígena em MS está latente. Ela está diretamente atenta à Polícia Federal. Essas reintegrações de posse vão ser cumpridas? Qual o cronograma da PF para esse tema?

Ricardo Cubas - Primeiro é preciso deixar claro que a atribuição da Polícia Federal é investigar crimes cometidos quando envolve o índio como coletividade. Aí entra também disputa por áreas indígenas, costumes, tudo o que atente contra o índio de forma coletiva. Quando envolve o índio de forma individual, sem disputa agrária, fica a cargo da Justiça Estadual e, consequentemente, atribuição da Polícia Civil ou Polícia Militar. A PF vai atuar, por exemplo, numa ordem de reintegração de posse emitida pela Justiça Federal. Todas as ordens de reintegração de posse serão cumpridas, agora existem situações, principalmente quando envolvem áreas grandes ou com grande número de índios, que demandam planejamento operacional. Eu não posso chegar numa área onde estejam 200, 300 índios com 20 policiais para cumprir a ordem, porque a chance de conflito é muito maior. E a questão não é apenas retirar os índios da propriedade e colocar do outro lado da rua, porque vai haver conflito. O fazendeiro vai tomar posse e ou vai ser invadido novamente ou vai haver um confronto, então temos de saber para onde esses índios irão, como será feito o transporte. Então envolve toda uma logística que é discutida com os demais entes que devem participar da reintegração de posse, como a Funai e o Ministério Público Federal. Essas reuniões não são obrigatórias, elas são realizadas para discutir se esses órgãos vão contribuir ou não, porque há uma ordem judicial e ela tem sua eficácia imediata.

Jornal de Domingo - Para Caarapó já existem ordens de reintegração de posse. Elas serão cumpridas?

Ricardo Cubas - Sim. Vão ser cumpridas o mais rápido possível. Tivemos no final do ano o problema de feriados, falta de efetivo, que não foi possível angariar o número de policiais necessários, mas o planejamento não ficou parado. Durante esse período foi feito o planejamento operacional para sabermos quantos policiais serão necessários. Levantamos dados da inteligência da área, para ver as rotas de acesso para aquele local. É preciso haver um suporte logístico e tudo está sendo providenciado pela delegacia de Dourados para ser cumprida essa ordem de reintegração o mais rápido possível.

Jornal de Domingo - É verdade que o efetivo da Polícia Federal no Estado é o mesmo de anos atrás. A população de MS cresceu 50% e vocês estão defasados?

Ricardo Cubas - Eu não tenho os números exatos, mas acredito que seja o mesmo número ou até um pouco menor. Hoje, na PF do Brasil inteiro, acredito, seja em torno de uns 12 mil policiais federais. Esse número já foi maior.

Jornal de Domingo - Nós tivemos há algum tempo em MS um convênio entre PF e polícias estaduais e as informações da inteligência eram compartilhadas. Isso continua existindo?

Ricardo Cubas - Existia um convênio entre a Polícia Federal e o governo de Mato Grosso do Sul, que consistia numa força-tarefa, que envolvia a Polícia Federal, a Polícia Civil e a Polícia Militar. Esse convênio não foi renovado. Foi até encaminhada uma minuta para o Governo do Estado, porque é interesse da PF a renovação desse convênio. Esse esquema de trabalho em força-tarefa dá muito resultado. A Polícia Federal não consegue atuar em todos os municípios, já as polícias Militar e Civil têm uma capilaridade maior, então muitas vezes uma informação que para nós é difícil de conseguir, para eles é mais fácil e vice-versa, porque a Polícia Federal também tem bastante informação e pode compartilhar com esses outros órgãos. Esse esquema de força-tarefa funciona muito bem, não só com órgãos de segurança, mas também força-tarefa com Receita Federal, Controladoria Geral da União. A Polícia Federal trabalha normalmente nesse esquema de força-tarefa e isso hoje está paralisado.

Jornal de Domingo - As operações de acompanhamento, de combate à corrupção que houve no Estado, como a “Lama Asfáltica”. Esses inquéritos já foram finalizados? Vão ser competência estadual ou ainda vai ser competência da PF?

Ricardo Cubas - A última fase da “Lama Asfática” teve como objetivo localizar patrimônio que eventualmente foi adquirido com produto do crime. A fase atual está sendo a conclusão dos laudos periciais. Nessas operações são apreendidas muitas mídias. Hoje, por exemplo, um celular é praticamente um computador. Isso demanda uma análise pericial que leva certo tempo. O objetivo é concluir ainda nesse primeiro semestre o inquérito principal da “Lama Asfáltica” e eventuais crimes encontrados de atribuição da Justiça Estadual serão encaminhados para o Ministério Público Estadual. Aqui na PF existe um setor específico de combate aos crimes do colarinho branco, aos crimes financeiros, que envolvem normalmente desvios de recursos públicos. Hoje essa unidade conta com três delegados, que são especializados nessa matéria e só presidem inquéritos que versam sobre desvios de recursos públicos. Então além da “Lama Asfáltica” existem outras operações em andamento.

Jornal de Domingo - E essa questão da Lama termina quando?

Ricardo Cubas - É difícil precisar uma data porque hoje os laudos periciais são nosso gargalo para encerrar a operação, mas seguramente no primeiro semestre encerra. Se for necessário fazer uma outra investigação, fazer um desdobramento, um fato periférico, vai ser instaurado outro inquérito, porque não podemos ter uma investigação que nunca se encerre, mesmo porque lidamos com crimes que têm prazo prescricional e essas pessoas precisam responder em juízo para ter ou não uma condenação.

Jornal de Domingo - Sobre a situação dos presídios, do poder de fogo das facções do crime organizado, o Estado está abaixo dessas organizações em termos de eficiência, de poder repressivo?

Ricardo Cubas - É difícil falar sobre isso, porque são várias realidades. Falando em presídios federais, eles seguem uma doutrina que dificilmente você vai ter o crime organizado se sobrepondo ao Estado. Mas nós lidamos com um contingente muito menor. A maioria dos presídios federais tem mais agentes prisionais do que presos. Então é fácil manter uma estrutura. Já nos estaduais, temos Estados que não têm problemas com superlotação de presos e outros que têm. No meu ponto de vista, essa problemática do sistema carcerário passou muito tempo de lado. Agora vão tentar remediar o que está estourando. Já era para ter começado a construir presídios há muito tempo. Não podemos ter dois mil presos em um local que comporta apenas 500. Isso é uma fábrica de confusão. Nós precisamos repensar o sistema carcerário e a solução não é levar esses presos para uma audiência de custódia e soltar todo mundo, porque aí o crime será incentivado. A solução é criar novas vagas. A solução é criar um sistema em que o preso trabalhe no período em que está preso e não fique somente dentro de uma cela, já pensando qual o próximo crime que ele vai cumprir. É preciso que haja um sistema carcerário que de fato torne a pessoa recuperada. É importante oferecer uma capacitação, uma atividade profissional, fazer com que ele pague pela despesa que o Estado está tendo com ele dentro do presídio e, quando sair, que ele tenha uma atividade e uma possibilidade de ser reinserido no mercado de trabalho.

Jornal de Domingo - Uma visão que existe e é generalizada na sociedade local é de que a vinda do Presídio Federal para MS traz braços desses bandidos famosos para a nossa cidade. Isso é verdade ou é lenda?

Ricardo Cubas - Os presídios federais já estão em atividade há aproximadamente 10 anos, um pouco mais. Eu não tenho conhecimento de que tenha aumentado a criminalidade nas cidades que receberam presídios federal por conta disso. Mesmo cidades grandes como cidades pequenas. Claro que temos maior circulação de familiares e advogados dos presos, mas eu não tenho informação que isso tenha aumentado a violência.

Jornal de Domingo – O assassinato do empresário Jorge Rafaat em Pedro Juan Cabalero foi atribuído a uma disputa entre duas organizações criminosas, que estão novamente em guerra dentro dos presídios. Isso pode ter alguma consequência prática na paz da fronteira?

Ricardo Cubas - Sim. Isso repercute. Na região de fronteira sempre existiram grupos antagônicos que buscaram a hegemonia principalmente dominando as rotas do tráfico. Elas querem dominar toda a cadeia produtiva, desde o acesso à droga nos países produtores até os locais onde ela vai ser revendida ao consumidor final. Essa guerra entre as facções nos presídios busca também essa hegemonia. Com certeza essa disputa que está acontecendo hoje nos presídios vai repercutir ainda no crime da fronteira, porque é de onde provêm os recursos. Eles não estão brigando para ter liderança dentro do presídio, estão brigando para ter a liderança das rotas. Está mais forte a briga entre as facções pelas rotas da região Norte, mas essa disputa também envolve nossa região. Na região Norte é muito forte o tráfico de cocaína e armas, mas aqui a nossa fronteira também é bastante forte no tráfico. 80% da maconha consumida no Brasil é produzida no Paraguai e essa droga entra por Mato Grosso do Sul e Paraná. É uma rota muito importante e sempre haverá disputa entre grupos antagônicos pela hegemonia desses locais.

Jornal de Domingo - Outra questão bastante midiática é  o policial da PRF que matou uma pessoa durante uma briga de trânsito. Se fosse um agente seu, qual seria sua postura?

Ricardo Cubas - Nós temos casos de policiais federais que têm desvios de conduta. Dependendo da infração ou do crime praticado, a imediata medida que praticamos é a instauração de um processo disciplinar e também o inquérito policial se for atribuição da Polícia Federal. Se ele praticar um crime que não for atribuição da Polícia Federal e não estiver no exercício do cargo, é instaurado pela Polícia Civil. E a própria lei estabelece o afastamento do cargo em algumas penalidades. É preciso analisar o caso concreto.

Jornal de Domingo - Vemos muitas notícias de tentativas de influência política para conduzir investigações, principalmente na área pública. Isso existe?

Ricardo Cubas - Eu tenho 15 anos como delegado de Polícia Federal e já trabalhei alguns anos em regiões complicadas. Na área de fronteira, já trabalhei em Ponta Porã dois anos, em Guaíra fui chefe da unidade por dois anos, Foz do Iguaçu também fui chefe de unidade por dois anos e meio. Trabalhei em Curitiba na Delegacia de Crimes Financeiros, que é o setor hoje que é responsável pela Operação Lava Jato. Em todos os setores em que trabalhei, nunca tive uma interferência ou tentativa de interferência política. Não posso falar que não existem, mas nunca sofri e nunca tive conhecimento de algum colega meu que tenha sofrido. Eu acho que o fato de você não dar uma abertura e levar seu trabalho de forma isenta e impessoal já afasta eventual tentativa de interferência política.

 

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