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Entrevista A

"Juiz quando dá uma decisão, não chama a imprensa"

Fernando Chemin Cury, presidente da Associação dos Magistrados de MS

05 agosto 2018 - 09h22Da redação

O juiz Fernando Chemin Cury conta um pouco sobre os trabalhos realizados pela Amamsul e sobre o aniversário de 40 anos da Associação. Cury também fala sobre o judiciário brasileiro e os desafios diários da magistratura no Estado. Abaixo, entrevista completa com o magistrado.

JD1 Notícias – Qual o papel da Amamsul?
Fernando Cury –
Ela tem algumas finalidades. Dentro do seu estatuto a principal delas é cuidar dos interesses da magistratura como um todo, zelar pelos direitos e garantias da magistratura, tendo em vista que são garantias da própria sociedade. Para que o juiz possa decidir de uma maneira segura e sem ter nenhum temor a respeito das com consequências da sua decisão ele precisa ter algumas garantias. Garantias essas que a própria Constituição Federal estabelece e a Amamsul, como associação, vem buscar que elas sejam diariamente respeitadas, para que o juiz possa ter a consciência tranquila e julgar de acordo com o que determina a lei, com base exclusivamente naquilo que sua consciência manda.

JD1 Notícias – O número de juízes e varas existentes comporta a demanda existente?
Fernando Cury –
Esse é um problema nacional. No Brasil temos uma cultura de litígio muito grande. Seja na justiça de primeiro grau ou mesmo nos tribunais superiores, o número de demanda é altíssimo. Temos praticamente um processo a cada dois habitantes, mais de 100 milhões de processos tramitando no judiciário brasileiro. Obviamente, o número de juízes, diante desse cenário, acaba não sendo suficiente. O problema é que o grande desafio hoje do gestor do Poder Judiciário é conseguir achar saídas, mecanismos e investimentos, por exemplo, em informática e infraestrutura de modo a permitir que, ainda com esse número de juízes, consigamos prestar uma melhor atividade jurisdicional, de uma forma mais rápida. Porque se toda vez que isso vier a tona formos buscar saída em contratar e promover concurso para ter mais juiz, vai chegar uma hora que o Estado não vai mais aguentar pagar. Este é o grande desafio do gestor hoje, trabalhar com o número de magistrados que tem e fazer com que eles consigam atender às demandas de maneira célere, como a Constituição exige.

JD1 Notícias – Em entrevista, o desembargador Carlos Contar reclamou de uma judicialização exacerbada, o senhor também vê isso?
Fernando Cury –
Vejo sim. O Brasil, depois da Constituição de 1988, trouxe como garantia fundamental de todo cidadão, no artigo 5º, inciso 35, o livre acesso à Justiça, que é uma garantia importante para que todas as pessoas que se sintam ameaçadas em seu direito ou já lesionadas possam, de fato, buscar Justiça. É uma garantia que o Estado dá ao cidadão, mas eu acredito que no Brasil, de certa forma, ela é interpretada de uma maneira muito extensiva. Tem questões que muitas vezes podem ser resolvidas via administrativa ou até mesmo entre os particulares e acabam não sendo por que as pessoas têm essa cultura de litigar. Como isso poderia mudar? Se o Poder Público passar a ser mais eficaz, seja na própria prestação do serviço público, seja por meio das suas agências reguladoras. Como, por exemplo, o serviço de telefonia tem uma agência reguladora que seria uma autarquia criada exatamente para fiscalizar todas as empresas telefônicas do país. Se essas agências fossem, de fato, mais eficazes, eu não tenho dúvida de que o número de demandas envolvendo consumidores de telefonia seria menor. E não só no ramo de telefonia, como também no transporte aéreo e em todos os ramos em que o Estado, por meio das suas autarquias, também fiscaliza.

JD1 Notícias – O MP tem ocupado espaços que deveriam ser do judiciário?
Fernando Cury –
Na verdade, o que eu penso é que o Ministério Público trabalha de maneira a vender sua imagem para a imprensa com muito menos restrição do que o judiciário. Porque o ministério é parte do processo, não é o responsável pela decisão a respeito do caso, se vai prender ou soltar, condenar ou absolver. Ele é parte e, como tal, acaba divulgando suas ações muito mais do que o juiz. O juiz, quando dá uma decisão, não chama a imprensa para dizer como está sendo feita a decisão, até porque ele não pode. É a pessoa que está apreciando o caso, então ele tem muito mais reserva, cautela e imparcialidade do que o Ministério Público, que trabalha constantemente trocando informações com a imprensa. Acho que isso é uma realidade inevitável e que, de fato, ela acontece, mas eu não vejo como ocupar papel de Judiciário. Acho que os papéis dessas instituições são bem colocadas pela Constituição Federal, nas leis. O Ministério Público atua como parte e deve ser tratado como outra parte do processo também, sem ter privilégios no tratamento, exceto aqueles que a própria lei garante. Agora a palavra final, em todos os casos, não é do Ministério Público, é do Poder Judiciário, com as decisões judiciais dos juízes e dos magistrados.

JD1 Notícias – A cobertura de julgamentos e sessões de tribunais, em tempo real, fez mal à Justiça?
Fernando Cury –
Eu, particularmente, não concordo. Não acho que é salutar à Justiça essa prática. Na verdade, a gente não pode confundir uma transmissão em tempo real com a questão de respeito ao princípio da transparência, que todos devem cumprir. Acho que esses julgamentos que são feitos no Supremo Tribunal Federal e transmitidos ao vivo acabam causando ao julgador um cuidado ou talvez um alongamento desnecessário naquelas discussões que o Brasil acaba vendo em tempo real. Isso não significa, por exemplo, que as emissoras de televisão, ou seja lá qual for o meio de imprensa, possam ir lá fazer a reportagem e acompanhar o julgamento, isso é salutar, agora julgar em tempo real acaba, inexoravelmente, levando com que essas discussões se alonguem desnecessariamente, o que muitas vezes expõe discussões internas entre os membros do Tribunal ao Brasil de uma maneira desnecessária, algo que pode ser interpretado de maneira equivocada pela população. Então eu, particularmente, não acho interessante. Eu fiz mestrado na Espanha e conversando com o ministro da Suprema Corte da Espanha, que foi meu professor, sobre isso ele achou um absurdo. Disse que nunca viu na vida o julgamento de uma Suprema Corte ser transmitido ao vivo. Em determinadas cortes, por exemplo, nos Estados Unidos, sequer se pode filmar. A população pode assistir, mas não pode filmar sob pena de a pessoa ser retirada da sala. De modo que, acho que precisamos ter um pouco mais de reserva, o que não significa que os julgamentos não tenham que ser públicos. Eles devem ser, e divulgados, inclusive, publicados do diário, se a imprensa quiser assistir tem que ter acesso ao julgamento, exceto nos casos em que se exija sigilo por lei. Mas, quanto a essas sessões transmitidas ao vivo não acho salutar para a Justiça.

JD1 Notícias – A sua categoria vem sendo bastante questionada por receber acréscimos salariais, como o auxílio moradia, sendo alguns ancorados em liminar. Como o senhor vê a questão?
Fernando Cury –
A política remuneratória da magistratura é baseada em uma lei federal, na verdade, a princípio, pela Constituição Federal e depois por uma lei, que regulamenta, em nível nacional, essa política remuneratória. Ela é feita por meio de subsídio desde dezembro de 2004, pela emenda 45 de 2004. Desde 2005, a magistratura vem sofrendo perdas no seu subsídio porque o Estado não cumpre com o seu dever de fazer a revisão inflacionária. A Constituição Federal garante que a revisão seja feita todo ano, o que não significa aumento. É só analisar a taxa de inflação oficial que houve naquele ano e fazer com que ela também incida no subsídio de todo o serviço público, porque é uma forma de evitar que o poder aquisitivo do ganho do servidor público, não estou me referindo só ao magistrado, tenha perda. Uma das garantias é a irredutibilidade de vencimento. O servidor não pode ganhar amanhã menos do que ganha hoje, porque esta é uma maneira de pressioná-lo, de alguma forma atingi-lo, para que se sinta desconfortável. A última revisão inflacionária que o Estado fez foi em 2014. A respeito de acréscimo, nada é feito se não baseado em lei. O auxílio-moradia tem previsão na lei complementar nº 35, que é a lei orgânica da magistratura. Ela prevê esse auxílio para as pessoas que trabalham em local que o Estado teria a obrigação de fornecer uma residência oficial para o juiz. Toda vez que o juiz trabalha em um local onde o Estado não forneça residência ele tem direito a receber uma ima indenização, porque o Estado não está cumprindo com seu dever legal. Em Mato Grosso do Sul há leis prevendo o auxílio-moradia. Estamos amparados tanto pela lei orgânica da magistratura como pela lei estadual.

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