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Cultura

Urbanização forçada ameaça tradições chinesas

19 fevereiro 2014 - 10h53Via Folha
Uma ou duas vezes por semana, uma dúzia de músicos amadores se reúne sob um viaduto na periferia de Pequim, trazendo consigo tambores, címbalos e a lembrança da sua aldeia, hoje destruída. Eles se instalam rapidamente e então tocam uma música que é entrecortada pelo zumbido dos carros, que abafa letras que falam de amor e traição, de feitos heroicos e de reinos perdidos.

Os músicos moravam na Ponte da Família Lei, aldeia com cerca de 300 famílias, perto do viaduto. Em 2009, a vila foi demolida para dar lugar a um campo de golfe e os moradores foram espalhados por vários conjuntos habitacionais, a cerca de 20 km de distância. Agora, os músicos se reúnem uma vez por semana. Mas a distância faz com que o número de participantes seja cada vez menor. "Quero manter isto", disse Lei Peng, 27, que herdou do avô a liderança do grupo. "Quando tocamos a nossa música, eu penso no meu avô. Quando tocamos, ele vive."

Em toda a China, tradições culturais como a música da família Lei estão sob ameaça. A rápida urbanização faz com que a vida da aldeia, base da cultura chinesa, esteja desaparecendo rapidamente, levando consigo a história e as tradições. "A cultura chinesa foi tradicionalmente de base rural", diz o escritor e acadêmico Feng Jicai. "Quando as aldeias se vão, a cultura se vai."

Isso está acontecendo num ritmo impressionante. Em 2000, a China tinha 3,7 milhões de aldeias, de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de Tianjin. Em 2010, o número já havia caído para 2,6 milhões, uma perda de cerca de 300 aldeias por dia.

Durante décadas, deixar a terra era algo voluntário, pois as pessoas se mudavam para as cidades atrás de empregos. Nos últimos anos, a mudança se acelerou, já que os governos estimularam a urbanização. A cúpula chinesa associa a urbanização à modernização e ao crescimento econômico. Os governos locais também estão promovendo essa tendência, pois veem a venda de direitos fundiários como uma forma de compensar a fraca base tributária. A expulsão de moradores e a concessão de contratos de arrendamento de longo prazo para incorporadores se tornaram um método preferencial pelo qual governos locais equilibram seus orçamentos e autoridades enchem os bolsos.

A destruição de aldeias e da sua cultura também revela vieses mais profundos. Um insulto comum na China é chamar alguém de agricultor, uma palavra associada à ignorância, ao passo que as tradições mais valorizadas são as práticas da elite, como a pintura de paisagens, a caligrafia e a música cortesã.

Mas, nos últimos anos, estudiosos chineses começaram a reconhecer o vasto patrimônio cultural da zona rural. Um projeto do governo já catalogou em todo o país cerca de 9.700 exemplos de "patrimônio cultural imaterial", ou seja, tradições frágeis, como músicas, danças, artes marciais, culinária e teatro. Cerca de 80% delas são rurais.

"Não se sabe se [esse patrimônio] vai ou não sobreviver, porque, quando eles estão em suas novas casas, ficam dispersos", disse Feng. "O conhecimento não fica mais concentrado e não é transmitido a uma nova geração."

Esse é o problema que os músicos da Ponte da Família Lei enfrentam. A aldeia fica no que costumava ser uma importante rota de peregrinação de Pequim para os montes Yaji, ao norte, e Miaofeng, a oeste. Religiosos pequineses caminhavam até as montanhas, parando na Ponte da Família Lei para comer, beber e se divertir.

Grupos como o de Lei se apresentavam gratuitamente para os peregrinos. Sua música se baseia em histórias sobre a vida cortesã e religiosa de cerca de 800 anos atrás, com um estilo de chamada e resposta, com Lei cantando os temas principais da história, e os outros artistas, vestidos com trajes coloridos, cantando a resposta.

Os artistas, no entanto, são cada vez menos numerosos e mais idosos. Os encantos universais da vida moderna - computadores, cinema, televisão - afastaram os jovens das atividades tradicionais.

Numa tarde recente, Lei caminhava pela aldeia, agora reduzida a escombros e coberta de mato. "Esta foi a nossa casa", disse ele, apontando para uma pequena pilha de entulho. "Nós nos apresentávamos no templo." O templo é um dos poucos edifícios ainda de pé (outro é a sede local do Partido Comunista).

Du Yang, diretora do departamento distrital de proteção ao patrimônio cultural intangível, disse que a música do grupo está entre as 69 práticas protegidas em seu distrito. "Era realmente confortável na antiga vila", disse Lei. "Tínhamos mil metros quadrados e alugávamos quartos para migrantes de outras províncias."

Estranhamente, no entanto, o campo de golfe nunca foi construído. Ninguém consegue entender se isso ocorreu porque o empreendimento era ilegal ou talvez parte de um negócio fundiário corrupto que está sob investigação. Essa informação não é pública, então os aldeões só podem especular. Acima de tudo, eles tentam esquecer.

"Tento não pensar demais sobre essas coisas", disse Lei. "Em vez disso, tento me concentrar na música e mantê-la viva."

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