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Entrevista A

'No Brasil é comum condenar antecipadamente', diz Romero

02 outubro 2011 - 05h12Roberto Medeiros

O desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Romero Osme Dias Lopes, afirmou que não se pode banalizar as acusações em torno de um possível culpado, pois nem sempre o acusador é digno de credibilidade. Para ele, as notícias de práticas criminais atribuídas ao réu podem não ser verdadeiras, em alguns casos. O magistrado também comentou sobre a cautela tomada sobre as escutas telefônicas que muitas vezes, são feitas de forma ilegal, e dão margem a outros crimes como espionagem industrial, chantagens e extorsões. Veja a entrevista na íntegra:

Jornal de Domingo - Algumas operações envolvendo o Ministério Público e a Polícia Federal, com forte apoio popular, têm atropelado normas jurídicas?

Romero Lopes - O que se deve esperar destas operações – e, principalmente, destes órgãos – é a maior lisura, isenção e independência de fatores externos possíveis. Principalmente do apelo popular e da própria imprensa, que às vezes exerce um papel de julgador, expondo negativamente a imagem das pessoas envolvidas, de forma desnecessária e constrangedora.

Mas, de um modo amplo, não se pode dizer que elas estejam atropelando normas jurídicas, pois a expressão é muito vaga e deve ser analisada a partir de casos concretos. Ocorrendo vazamento de informações sigilosas por agentes públicos e excessos nos cumprimentos dos mandados judiciais, deve-se apurar e punir os responsáveis.

Jornal de Domingo - Fala-se muito nos meios policiais e jurídicos de escutas com autorizações judiciais feitas com data retroativa. Isto é possível? É legal?

Romero Lopes - Não é possível. E, se ocorresse, seria absolutamente ilegal. Aliás, é difícil de acreditar que um magistrado possa proceder desta maneira, convalidando escutas clandestinas criminosas. Ele não poderia sequer ser considerado um magistrado, pois não se apura crimes praticando outros.

O que pode ocorrer, embora eu não acredite, é o uso de gravações pretéritas aparentemente acobertadas por autorizações posteriores, vale dizer, o agente público que é autorizado a interceptar a partir de uma data, anexa maliciosamente aos autos interceptações clandestinas feitas anteriormente.

Jornal de Domingo - Em quais circunstâncias são autorizadas as interceptações telefônicas?

Romero Lopes - O direito à intimidade, garantido constitucionalmente, no qual se inclui a inviolabilidade das comunicações telefônicas, pode, excepcionalmente, ser sacrificado com a finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal.

Deve haver a existência de indícios da prática criminosa, que a prova não possa ser feita por outros meios e o fato investigado constitua infração penal punida com pena superior à de detenção. Estes são os três requisitos necessários para a realização da interceptação das comunicações telefônicas, contidos na Lei nº. 9.296/96, que também fixa o prazo de 15 dias, prorrogáveis por igual período para a sua realização.

É compreensível que o legislador tenha cercado de cautela as decisões judiciais autorizadoras, pois , com exceção das hipóteses mencionadas, a escuta telefônica é ilegal e criminosa, se não bastasse o desrespeito ao sagrado direito da intimidade e a privacidade, ambos corolários da dignidade humana.

Em nosso país, é lamentável perceber que as pessoas não dão importância a este desrespeito, que pode desencadear uma série de crimes, as vezes até maiores do que aqueles que se pretende investigar, como por exemplo, espionagem industrial, obtenção de informações privilegiadas, utilização política criminosa, chantagens e extorsões.

Jornal de Domingo - Segundo o jornal O Estado de São Paulo, em 2011 já foram autorizadas mais de 17 mil grampos em todo o país, qual o motivo disto?

Romero Lopes - Como se trata de uma forma de investigação, mesmo excepcional, reitere-se, talvez isto ocorra em decorrência do próprio aumento da criminalidade, embora ache o número excessivo, o que banalizou as investigações, vez que é uma prova que até mesmo admite montagens, transcrições falsas, alterações, descontinuidades reiteradas, truncamentos, duração não coincidente com aquela presente no relatório, etc.

Contudo, é inegável que dependendo da transcrição, do conteúdo do áudio ou vídeo, vale dizer, uma declaração inserida em um contexto fático atribuído ao investigado ou a ele relativo de uma forma clara, direta e insofismável, realmente serve como uma prova de valor altamente significativo.

O que não se pode é banalizar as acusações, albergando-as de forma leviana e inconsequente, pois nem sempre o acusador é digno desta credibilidade normalmente a ele atribuído. No Brasil é comum "condenar antecipadamente" as pessoas só porque notícias de práticas de crimes são a elas atribuídas, como se o acusador fosse sempre digno e probo e o acusado sempre indigno e culpado.

Jornal de Domingo - O uso de algemas sempre foi sinônimo de poder das autoridades e de humilhação do réu diante dos olhos e da opinião pública. Qual é o cenário atual após as recentes alterações sobre esse tema?

Romero Lopes - Diante da inércia do legislativo a questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal que editou a súmula vinculante n.º 11, excepcionando o uso de algemas a casos específicos e devidamente justificados, sob pena de responsabilidade.

Portanto, algemar alguém que não ofereça a menor resistência ou risco de fuga, perigo à integridade física de quem quer que seja, inclusive, do próprio conduzido, é arbitrário.

Representa abuso de poder e exposição desnecessária daquele que está sob a custódia do Estado, que não é absoluto em suas atividades, ferindo-se a dignidade da pessoa humana. A presunção de inocência, a que tem direito todo cidadão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é uma das maiores conquistas contra o Estado.

E quem pensar em contrário está diminuindo os direitos e garantias individuais e coletivas, pois enfraquecer um cidadão é enfraquecer toda a sociedade, inclusive a si próprio.

Jornal de Domingo - Em algumas operações policiais realizadas, pessoas foram levadas à presença da autoridade policial, prestaram suas declarações e ficaram momentaneamente até privadas de sua liberdade, além de submetidas aos holofotes da mídia, e, posteriormente, sequer foram indiciadas. Nesse caso, o dano é irreparável. Quem paga por ele?

Romero Lopes - As investigações são necessárias. É a função da polícia no restabelecimento da ordem e a promoção da paz por meio do combate ao crime. Por esta razão, os procedimentos a serem adotados nas operações policiais devem ser fundados na legalidade, visando a colheita da prova e da condução de pessoas que interessem ao deslinde da ação policial, interferindo da forma menos danosa possível aos direitos do indivíduo.

Regular a legalidade dessas operações e assegurar os direitos ao investigando é a função do magistrado.

Os abusos devem ser denunciados e combatidos duramente, responsabilizando seus causadores. Afinal, a população não pode ser refém do autoritarismo e de medidas inconsequentes de agentes públicos.

E aqui eu parabenizo o ilustre repórter pela pergunta, pois é preciso deixar bem claro que os excessos praticados por agentes públicos, quando exorbitam nas suas funções, agridem muito mais as pessoas do que alguns tipos de crimes atribuídos aos acusados ou a pessoas que que lhes são próximas.

E quem paga por estes abusos que geram danos, como está explicitado na pergunta, é a própria coletividade, pois eventuais indenizações são suportadas pelo Estado Federado ou pela União. Agora, nem todo dano moral pode ser reparado por dinheiro, pois a dor pode ser incomensurável e a dignidade irrestituível.

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