Opinião

OPINIÃO: Aquecimento global em Campo Grande: a conta que chega pelo escapamento

4 SET 2025 • POR Sérgio Carvalho • 16h46
Clima em MS - Bruno Rezende

Campo Grande está mais quente e não é impressão. Entre outubro de 2023 e junho de 2024, todas as médias de temperatura máxima mensal ficaram acima da normal histórica; em setembro de 2024, a capital bateu 39,8 °C, no dia mais quente do ano, sob onda de calor que elevou as máximas em até 5 °C.

Em dezembro de 2023, em pleno verão, a cidade encerrou o mês 3,2 °C acima da média. Esses números mostram um padrão: calor extremo mais freqüente e persistente, com impacto direto na saúde, na economia e na mobilidade urbana.

A fotografia demográfica nos ajuda a entender por que sentimos tanto essas altas temperaturas e de forma tão imediata. A população de Campo Grande passou de 843.120 moradores (estimativa de 2014) para 962.883 (estimativa de 2025), um salto próximo de 14% em pouco mais de uma década. O último Censo (2022) já havia cravado 898.100 habitantes. Crescemos, nos agrupamos mais, e ocupamos novas frentes urbanas, numa expansão territorial também histórica, e muitas vezes com pouco sombreamento. E o pior: essas populações, segundo dados do IBGE, estão cada vez mais longe dos empregos que exercem, obrigando aos deslocamentos diários.

Outro agravante é a frota de Campo Grande que avançou com força. Levantamento do Detran/MS indica que a cidade tinha mais de 611 mil veículos em 2021 e alcançou cerca de 666 mil em 2024 — quase um veículo para cada morador (0,69 carro por habitante). O Estado, como um todo, superou 1,8 milhão de veículos. Em outras palavras: a cidade ficou mais populosa e, sobretudo, muito mais motorizada.

Do ponto de vista climático e da qualidade do ar, isso tem reflexos imediatos na vida da população. O transporte é hoje a principal fonte de emissões dentro do setor de energia no Brasil, e Campo Grande não está fora deste quadro, respondendo por quase metade do CO desse segmento em 2021, com predomínio do modal rodoviário movido a combustíveis fósseis. Em nível urbano, a combinação de mais quilômetros rodados, congestionamentos e veículos antigos multiplica a emissão por passageiro transportado, além de agravar a ilha de calor nas regiões mais asfaltadas e com pouca arborização.

E se diante desse cenário fizermos um recorte do transporte público, em Campo Grande, a situação fica ainda mais dramática. O transporte coletivo a cada ano perde atrativo. A conta é difícil de fechar. Menos passageiros, maior o custo do transporte público. E parte significativa dos ônibus roda com idade média acima do desejável, o que se reflete em viagens mais demoradas, veículos muitas vezes em situação precária e um custo alto de manutenção. Um círculo quase vicioso que empurra mais gente para o carro ou para a moto. Estudos indicam que um passageiro que consegue veículo próprio, dificilmente volta ao transporte público, mesmo que o condutor se sujeite a trafegar de forma irregular. 

Campo Grande não controla sozinha o planeta — mas pode decidir se o “calor sufocante” será enfrentado com mais asfalto e escapamentos, ou com corredores de ônibus, árvores e eficiência. O aquecimento global é o pano de fundo; o trânsito da Capital é o capítulo que escrevemos todos os dias. Escolher melhor é respirar melhor.

Escrito por Sérgio Carvalho - jornalista, roteirista e diretor de documentário.