Opinião

OPINIÃO: Toc, toc quem bate é o lixo!

3 OUT 2025 • POR Sérgio Carvalho jornalista, roteirista e diretor • 13h51
Imagem Ilustrativa

Toc, toc quem bate é o lixo. Ele não pede licença, não pergunta a hora, não espera o humor da cidade. Bate à nossa porta todos os dias, discretamente em sacos pretos, coloridos, cheios de restos que carregam a marca do nosso estilo de vida. Em Campo Grande, esse visitante incômodo chega com peso: quase mil toneladas de resíduos por dia, algo em torno de 293 mil toneladas por ano. É tanto que já não cabe apenas no discurso; exige atitude.

O destino predominante ainda é o aterro sanitário. O que poderia ter valor, circular como matéria-prima novamente, vai se acumulando sob a terra. E a reciclagem? Dados recentes mostram que apenas uma fração mínima desse volume tem um destino mais nobre. A Unidade de Triagem e Reciclagem (UTR) da capital opera com cerca de 150 catadores, organizados em três cooperativas e uma associação. Eles fazem o trabalho que a maioria de nós ignora: separar, reaproveitar, dar nova vida ao que insistimos em chamar de resto.

O problema é que, em Campo Grande, cada catador "responde" por quase sete mil habitantes. Uma sobrecarga desumana. Quando olhamos para outras capitais, a distância fica evidente. Em Curitiba, referência nacional em políticas de reciclagem, há cerca de mil catadores para pouco menos de dois milhões de habitantes: uma relação de 1,8 mil pessoas por catador. Já em São Paulo, onde a estimativa aponta até 20 mil trabalhadores da reciclagem, a proporção cai para cerca de 595 habitantes por catador. Números que não mentem: nosso modelo está atrasado, e nossos trabalhadores da reciclagem estão sobrecarregados.

Também impressiona o comparativo no volume de resíduos por habitante. Enquanto Campo Grande produz o equivalente a 1 tonelada para cada 1.023 moradores por dia, Curitiba gera 1 tonelada a cada 732 habitantes, e São Paulo, 1 tonelada a cada 595 pessoas. Produzimos menos lixo por cabeça do que essas metrópoles, mas a diferença está em como cada cidade lida com o que gera. Não basta produzir menos, é preciso reciclar mais.

O recado é simples: não se trata apenas de estatísticas. Trata-se de educação, de consciência e de atitude. Quando o lixo bate à nossa porta, a resposta não pode ser só abrir o portão e empurrar o problema para a calçada. É preciso aprender a separar, dar destino correto, apoiar quem faz da reciclagem uma forma de sustento. É também um exercício de cidadania: se Curitiba e São Paulo já avançaram tanto, por que Campo Grande não pode acelerar esse passo?

A cidade precisa de políticas públicas mais consistentes, campanhas educativas permanentes e, sobretudo, de um pacto entre cidadãos, empresas e governo. Porque, no fundo, cada embalagem, cada garrafa, cada papelão carrega uma escolha: ou enterramos a oportunidade, ou a transformamos em futuro.

Toc, toc quem bate é o lixo. A pergunta que fica é: vamos abrir a porta para a mudança ou continuar fingindo que não ouvimos o chamado?

Sérgio Carvalho

Jornalista, roteirista e diretor de documentário.