Ataque armado deixa um indígena morto e quatro feridos em Iguatemi
Os relatos da comunidade reforçam violência e atuação de agromilícia
16 NOV 2025 • POR Sarah Chaves, Funai, Folha de Dourados • 16h48A retomada indígena de Pyelito Kue, localizada na Terra Indígena Iguatemipeguá I, em Iguatemi (MS), foi alvo de um ataque armado na madrugada de domingo (16). De acordo com relatos da comunidade e informações confirmadas pela Funai, cerca de 20 homens armados invadiram o local e efetuaram diversos disparos.
Durante a ação, o indígena Vicente Fernandes Vilhalva, de 36 anos, foi atingido na cabeça e morreu no local. Testemunhas afirmam que os atiradores tentaram remover o corpo, mas foram impedidos pelos próprios indígenas. Outras quatro pessoas, dois adolescentes, um homem adulto e uma mulher, ficaram feridas. Um dos adolescentes foi baleado com munição letal, e os demais apresentavam lesões provocadas por balas de borracha.
A Força Nacional de Segurança Pública chegou à área ainda na manhã de domingo, seguida por equipes da Secretaria Especial de Saúde Indígena, que prestaram os primeiros atendimentos. A Polícia Federal foi acionada para realizar perícia e iniciar formalmente a investigação.
Lideranças Kaiowá e Guarani relatam a possibilidade de participação de agentes de segurança pública no ataque, mencionando indícios de envolvimento de policiais militares e integrantes do Departamento de Operações de Fronteira. Três vítimas apresentavam ferimentos compatíveis com munição não letal de uso restrito das forças policiais.
O contexto de tensão na região se agravou após o início de outubro, quando os Kaiowá e Guarani retomaram uma área da Fazenda Cachoeira, sobreposta à Terra Indígena e próxima à aldeia Pyelito Kue. Desde então, segundo a comunidade, ocorreram quatro ataques armados. O episódio deste domingo foi o mais violento.
A disputa territorial envolve áreas tradicionalmente ocupadas pelos Kaiowá e Guarani e cuja demarcação aguarda conclusão há aproximadamente 40 anos. Em nota, a Kuñangue Aty Guasu, Grande Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá cobrou investigação rigorosa e responsabilização dos envolvidos.
O histórico de ataques na região é recorrente. Em 18 de novembro de 2023, um grupo de famílias de Pyelito Kue foi expulso de uma área retomada na Fazenda Maringá, também sobreposta à Terra Indígena Iguatemipeguá I, após ação violenta de terceiros. Para as lideranças, o episódio atual repete o padrão de violência registrado nos últimos anos.
A Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) afirmou que o Estado deu apoio às forças federais no ocorrido. "Outras duas pessoas estão hospitalizadas. Um indígena suspeito de ser o autor do crime, que também foi ferido, já foi detido e encaminhado pela Polícia Militar à policia federal. Por decisão judicial, a PM não fazia a segurança ostensiva na área".
Veja a nota da Funai na íntegra:
"Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) manifesta profundo pesar pela morte do indígena Guarani Kaiowá na comunidade de Pyelito Kue, município de Iguatemi (MS), após ataques de pistoleiros, em contexto de recente retomada realizada nos dias anteriores. A equipe desta autarquia indigenista e o Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas (DEMED/MPI) do MPI, atua na situação, acionou os órgãos de Segurança Pública responsáveis e acompanha as ações dos órgãos do Governo Federal.
A Funai reforça a necessidade de uma investigação rigorosa e uma ação conjunta para combater os grupos de pistoleiros que atuam na região. Ressalta, ainda, a importância de políticas que fortaleçam a proteção dos indígenas e de seus territórios.
De acordo com ações conjuntas, o MPI informa que, no dia 3 de novembro, por meio de uma força-tarefa, o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) instituíram um Grupo de Trabalho Técnico (GTT) com foco na elaboração de subsídios técnicos para a mediação de conflitos fundiários envolvendo os povos indígenas no sul do estado de Mato Grosso do Sul, incluindo a realização de levantamentos e estudos sobre áreas públicas e privadas. O GTT vem realizando reuniões semanais para debater soluções concretas e promover a resolução definitiva dos conflitos, que têm os indígenas como principais vítimas.
As retomadas dos indígenas Guarani Kaiowá na região se intensificaram nos últimos meses com o objetivo de frear a pulverização de agrotóxicos, que vem causando adoecimento e gerando insegurança hídrica e alimentar.
É inaceitável que indígenas continuem perdendo suas vidas por defender seus territórios. A morte de mais um indígena Guarani Kaiowá acontece ao mesmo tempo em que o mundo discute e visualiza a importância dos povos indígenas para a mitigação climática debatida na COP30, infelizmente evidenciando que não existe trégua na perseguição aos corpos dos defensores do clima.
A Funai se solidariza com a família, amigos e com toda a comunidade Guarai Kaiowá".