Justiça

Justiça Federal condena grupo por esquema de corrupção no Incra/MS

Sete réus devem ressarcir mais de R$ 2,6 milhões por esquema criminoso estruturado no seio da Superintendência, investigado na Operação Tellus pela Polícia Federal e pelo Ministério Público

30 DEZ 2025 • POR Vinícius Santos • 19h37
Crimes foram investigados pela Polícia Federal - - Foto: Ilustrativa

A Justiça Federal (1ª Vara Federal de Naviraí/MS), condenou sete réus pela prática de atos de improbidade administrativa com enriquecimento ilícito, no âmbito de um esquema criminoso instalado dentro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Mato Grosso do Sul. Os condenados foram investigados na Operação Tellus, deflagrada pela Polícia Federal em 2010.

A sentença, assinada pelo juiz Hugo Daniel Lazarin, possui mais de 160 páginas e reconhece que os acusados atuaram de forma consciente, organizada e duradoura para transformar a política pública de reforma agrária em um balcão de negócios, com prejuízos milionários aos cofres públicos e grave violação à função social do programa.

Foram condenados:

Somadas as penas pecuniárias individuais, o valor ultrapassa R$ 2,698 milhões (sem atualização). Na fase de liquidação e execução, o montante aumentará consideravelmente com a atualização monetária.

Além das penalidades individuais, os sete réus foram condenados solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 736.245,93, também sujeita à atualização. Todos perdem a função pública e têm os direitos políticos suspensos.

O esquema

A decisão aponta que o esquema se consolidou em um contexto de forte pressão social por reforma agrária, entre o final de 2009 e o início de 2010. Segundo a Justiça, os réus estruturaram uma organização criminosa dentro da Superintendência do Incra/MS, que passou a operar em diferentes frentes:

  1. - Venda de “proteção” a fazendeiros: servidores identificavam áreas passíveis de desapropriação, bloqueavam documentos como o CCIR e exigiam propina para emitir laudos de produtividade falsos, impedindo a tomada das terras.

  2. - Manipulação da seleção de beneficiários: em vez de atender famílias legitimamente acampadas, eram incluídos “laranjas” nas listas de beneficiários, permitindo a posterior comercialização ilegal dos lotes.

  3. - Regularização fraudulenta de lotes vendidos ilegalmente: processos administrativos eram forjados, com inserção de dados falsos nos sistemas do Incra e documentos com datas retroativas.

  4. - Desvio de recursos públicos: créditos de instalação destinados ao desenvolvimento dos assentamentos eram desviados por meio de contratos direcionados, com atestação falsa de serviços não executados.

Para o magistrado, a condenação se impõe porque “o quadro probatório revela atuação consciente, finalisticamente e duradoura dirigida à mercantilização do ofício público, com obtenção de vantagem indevida, bem como demonstra profundo desvio ético-funcional e desprezo pela confiança estatal”.

A sentença também destaca que, “os diálogos interceptados evidenciam agir sofisticado e calculado: o réu precificava a vantagem indevida, instruía intermediários e adotava cautelas dissimulatórias — como substituir a palavra ‘dinheiro’ por ‘documentação’ —, denotando elevada consciência da ilicitude. A habitualidade delitiva agrava o cenário. Além disso, sua atuação explorou a vulnerabilidade de pequenos agricultores e a assimetria de informações, desviando bens públicos para particulares ao arrepio da lei”.

Sobre o impacto social e financeiro do esquema, o juiz foi categórico ao afirmar: “O dano, aqui, é a inexecução da política pública, o desperdício do investimento estatal e a perpetuação da injustiça social que o programa visava combater”.

Na fundamentação, a estrutura do Incra/MS não é tratada como uma falha administrativa isolada, mas como um organismo vivo de corrupção, em que a lei era moldada de forma cirúrgica para proteger quem pagasse propina, enquanto famílias que dependiam da reforma agrária eram usadas apenas como pano de fundo para a fraude.

Réus absolvidos

Na mesma decisão, o juiz Hugo Daniel Lazarin julgou improcedentes os pedidos em relação a parte dos investigados, determinando o levantamento de eventuais restrições sobre seus bens. Foram absolvidos:

Processos extintos e desmembrados

A sentença registra ainda que, em relação a Alípio Miranda dos Santos, o processo foi extinto sem resolução de mérito, em razão de seu falecimento. Já o caso envolvendo Antônio Batista dos Santos foi desmembrado, igualmente pelo mesmo motivo.

Sem pena de prisão

A condenação não prevê pena de prisão para os réus, uma vez que o processo trata de uma Ação Civil Pública por improbidade administrativa, de natureza cível e político-administrativa, e não criminal. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul.

Bloqueio de bens

O juiz determinou a manutenção das constrições patrimoniais impostas aos sete réus condenados até o trânsito em julgado da sentença, ou seja, até que não caibam mais recursos no processo.