Opinião

Água, o petróleo do século XXI

25 MAI 2010 • POR Fábio Trad • 00h00
Marcou-me profundamente a leitura do livro “Água – Pacto Azul. A crise Global da Água e a Batalha pelo Controle da Água Potável no Mundo” de Maude Barlow, Editora M. Books, fonte imediata e de citação de algumas reflexões que divido com os leitores. O ser humano só valoriza aquilo que perde ou escasseia! A água é certo, hoje desperdiçada irresponsavelmente como se fosse um recurso infinito, não esconde a sua crise e dá mostras de cansaço. A demanda é maior que a oferta e, se nada for feito para preservar, boa parte da humanidade morrerá de sede ou de doenças diretamente relacionadas à água imprópria para o consumo. Água limpa natural e doce já é artigo de luxo. Segundo a OMS, a água contaminada é uma das causas de 80% de todas as doenças em todo o mundo. Na última década, o número de crianças mortas por diarréia ultrapassou o número de pessoas mortas em todos os conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial. Os ricos têm acesso à água limpa, porém cada vez mais pagam por ela, enriquecendo com lucros estratosféricos as corporações que formam o cartel da água. Já os pobres sofrem com a dificuldade de acesso a água, o que os leva a consumir água poluída. Não fosse o caráter predatório do modelo de desenvolvimento adotado com a Revolução Industrial, o ciclo natural da água (vapor – condensação – nuvem – umidade – chuva ou neve – vapor...) garantiria milênios de água doce para a sobrevivência das espécies. O desenvolvimento a qualquer preço, todavia, poluiu as fontes de água doce, acarretando o que se chama de “estresse hídrico” nas mais populosas regiões do mundo. Muitos países já reciclam a sua água, como se a “lavassem” para o retorno do seu uso em um ciclo repetitivo. Sim, água usada... A mesma que outros cospem ao escovar os dentes, lavam e banham seus corpos, escarram e eliminam como lixo líquido. Felizmente, não chegamos a este ponto no Brasil, mas já passou da hora de acender o sinal de alerta. Além da avassaladora poluição industrial que contamina nossas fontes, o fato é que a população brasileira não foi devidamente esclarecida sobre a importância da água como riqueza nacional. A água é uma questão de vital importância geopolítica para o país, até porque ela é assim concebida por vários países que já sentem a sua falta. Diria: uma questão estratégica de segurança nacional. Para se ter uma dimensão da sua repercussão política, o seu uso no mundo expõe a fratura das injustiças sociais. Segundo a ONU, o ser humano precisa de 50 (cinquenta) litros de água por dia para beber, cozinhar e fazer sua higiene. Pois bem, o americano comum usa quase 600 litros por dia, mas o habitante comum da África usa 6 litros por dia. Água não vem do acaso; não é fruto de milagre. Sua certidão de nascimento é a chuva ou a neve que reabastecem as fontes, porém o ser humano está poluindo as águas de superfície em um ritmo avassalador e de forma inconseqüente. Conclusão: a oferta é natural e se mantém inalterada pelo ritmo da natureza, porém a demanda é crescente e diretamente proporcional ao ritmo de poluição que contamina as fontes. Neste contexto de perigo concreto em que a vida e a saúde das futuras gerações dependerão diretamente de nossa capacidade política de mobilização e ação concreta, o projeto de lei do Vereador Cristovão Silveira, aprovado pela Câmara Municipal de Campo Grande, que estabelece punição pecuniária a quem faz uso irresponsável da água é uma posição política corajosa, necessária e absolutamente sintonizada com a magnitude da importância política do problema. A tecnologia (dessalinização, nanotecnologia, etc.) é parte importante para diminuir o impacto dos efeitos desta gravíssima questão, porém o fundamental é a emancipação da consciência coletiva da humanidade e o comprometimento político dos governos no sentido de deflagrar uma nova relação entre o ser humano e a água: não mais da arrogância que polui e contamina em nome do lucro ou da ignorância que despreza e desperdiça em nome do egoísmo; mas da parcimônia, do respeito, do cuidado, da vigilância e, sobretudo do direito de viver com dignidade e saúde. *Fábio Trad é ex-presidente da OAB/MS