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Semana violenta no Rio deixa quase 30 mil alunos sem aula

7 MAI 2017 • POR Uol • 08h34

De segunda a sexta, a vendedora Anita Maria da Silva, 36, acorda os três filhos, de 12, 11 e sete anos, às 6h, prepara o café e reforça a orientação de sempre antes que eles partam para a escola, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro:

"Se virem muitos homens armados na rua, voltem; se começar algum tiroteio, voltem; se não houver como voltar, batam na casa de alguém, se escondam e aguardem ou então deitem no chão e se protejam."

Com frequência, é a própria escola que avisa os pais que não é seguro abrir as portas: apenas entre a terça (2) e a sexta (5) desta semana, 26.964 alunos ficaram sem aulas nas escolas municipais da capital fluminense devido a tiroteios e operações da polícia certca de 4% dos 641.55 estudantes da rede municipal na cidade.

Na última terça (2), uma guerra entre facções criminosas deixou nove ônibus e dois caminhões queimados em vias importantes, paralisando parte da capital. A crise econômica, aliada à decadência da política de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), tem refletido no aumento da violência no Rio.

"É revoltante isso. Você não sabe o que é a gente se esforçar para comprar material todos os anos, incentivar as crianças a irem para a escola e as crianças não poderem estudar", desabafa Anita.

Assim como no Alemão, em que cinco pessoas foram mortas apenas nesta quinta-feira (4) durante operação do Bope (Batalhão de Operações Especiais), diversos outros bairros sofrem com confrontos praticamente diários tanto entre criminosos quanto entre criminosos e agentes públicos.

No fim de março, a adolescente Maria Eduarda Alves da Conceição, 13, morreu após ser atingida por bala perdida quando bebia água em um bebedouro no intervalo de um treino no pátio da sua escola, na favela de Acari, zona norte da cidade.

Professor da pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília e um dos fundadores da ONG Todos Pela Educação, Célio da Cunha acredita que o impacto da violência na escola vai além dos já esperados problemas de defasagem no círculo escolar.

"A criança falta à aula, entra na escola com medo, os professores tentam recuperar, mas já não é a mesma coisa. Mas, para além disso, há o impacto na formação. O processo de socialização num ambiente de medo tem influência na personalidade. A criança se desenvolve com medo do mundo, tem a autoimagem, a autoestima, o seu processo de cidadania prejudicado", afirma.

A Secretária Municipal de Educação informou que vê com preocupação o excesso de dias em que os alunos ficam sem ter como ir à escola e estuda qual a melhor forma para recuperar os conteúdos perdidos. Para Camila Santos, 32, também moradora do Alemão e mãe de três filhos, não é o bastante.

"Desde o começo do ano, calculo que meus filhos já perderam um mês de aula e, até agora, não vi isso ser recuperado. Como fica o futuro deles?", questiona.

Junto com outras mães, ela criou um grupo de Whatsapp para trocar informações sobre a situação da escola e acostumou-se a telefonar para o colégio antes de sair com os filhos de casa."Tem vezes que eu consigo chegar até a escola, mas outras mães não conseguem. A gente se avisa. Em outros momentos, mesmo com a escola aberta, não há como ir. A diretora me disse: 'Cabe à senhora decidir sobre a segurança do seu filho", conta.

Camila havia combinado de levar o assunto neste sábado (6) à primeira reunião de pais e mestres do ano. O encontro foi cancelado devido à falta de segurança na região.