Ao observar a falta de articulação entre pesquisas sobre o mesmo tema, o professor Rivaldo Venâncio da Cunha idealizou em 2008 um projeto que pudesse unir os pesquisadores e todos os estudos sobre a dengue em uma rede de pesquisa. Por meio dele, surgiu a vacina contra a doença que está em fase de teste, mas o médico infectologista já foi chamado contribuir com um guia sobre diagnóstico, tratamento, controle e prevenção da dengue, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e deve integrar grupo de pesquisadores de outros 18 países, com o objetivo de avaliar a nova classificação de dengue proposta pela Organização. Veja a íntegra:
Jornal de Domingo – Quando o senhor detectou a necessidade de uma pesquisa sobre a dengue?
Rivaldo Cunha - Constatei que todos os que estudavam sobre a dengue eram pessoas competentes, dedicadas à pesquisa, mas não conversavam com seus pares e não percebiam que o estudo de outro professor poderia complementar e/ou ser a chave para os seus. Ao observar a falta de articulação entre pesquisas sobre o mesmo tema, idealizei em 2008 um projeto que pudesse unir os pesquisadores e todos os estudos sobre a dengue em uma rede de pesquisa.
Em 2009 o projeto Rede de Pesquisa em Dengue no Estado de Mato Grosso do Sul foi aprovado pelo edital nº 10/2008 e contou com financiamento pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), o qual possibilitou a articulação entre as pesquisas sobre dengue e tornou o Estado referência sobre o tema.
A Rede se dividiu em duas linhas: Linha 1 - Epidemiologia da dengue, do vetor e impacto sócio-econômico de sua ocorrência em Mato Grosso do Sul e Linha 2 - Desenvolvimento de novas abordagens para o controle do vetor e manejo clínico da doença.
Embora, em um primeiro momento todos os projetos tenham sido distribuídos em uma das duas linhas de pesquisa, houve uma flexibilidade dos pesquisadores em migrar de linhas, de acordo com o desenvolvimento do plano de trabalho, ou usufruir dos resultados de outras pesquisas que não da sua linha para complementar os seus estudos. Dessa forma buscou-se sanar o fato de as pesquisas serem isoladas, tornando-as colaborativas.
Jornal de Domingo – O que o projeto proporcionou?
Rivaldo Cunha - A Rede proporcionou a elevação dos recursos humanos formados pelas pesquisas, por exemplo, foram concluídas oito dissertações de mestrado, nove estavam em andamento, uma tese de doutorado foi concluída e duas estavam em fase final.
Todos os estudos da Rede fizeram com que Mato Grosso do Sul fosse reconhecido como referência em saber sobre a dengue. A prova disso é que fomos chamados para contribuir com um guia sobre diagnóstico, tratamento, controle e prevenção da dengue, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e para participar de uma pesquisa, com pesquisadores de outros 18 países, com o objetivo de avaliar a nova classificação de dengue proposta pela OMS. Mais recentemente ainda fomos convidados a testar a vacina da doença.
Jornal de Domingo- Quando foi testada a primeira dose da vacina contra dengue?
Rivaldo Cunha - A primeira dose da vacina contra a dengue foi testada na última sexta-feira (28/10), no Hospital Dia, no Hospital Universitário da UFMS, em crianças estudantes da rede pública cadastradas em projetos da Rede. Algumas doses serão placebo, ou seja, um fármaco ou procedimento inerte que pode ou não apresentar efeitos terapêuticos, estes devido aos efeitos fisiológicos da crença do paciente de que está a sendo tratado. Sendo que a outra parte do grupo de crianças participantes da pesquisa receberá a dose real da vacina. Os efeitos serão estudados por três anos.
Os subprojetos da Rede são de variados assuntos relacionados à dengue. Todos têm a preocupação de contribuir para que cada vez mais se entenda sobre a doença. Em 2010 foram notificados 75 mil casos, sendo 45 mil destes em Campo Grande, com 40 óbitos em Mato Grosso do Sul.
É estudado, por exemplo, a percepção do risco da dengue pela população, em que se constata que a sociedade entende os riscos da doença, que ela pode levar à morte, mas que se preocupam em matar o mosquito transmissor – o Aedes aegypti – e não o mais correto, que seria evitar a proliferação do ovo do mosquito, impedindo que nasçam mais transmissores. Alguns estudos da Rede objetivam obter formulações larvicidas nano e microencapsuladas, que futuramente podem ser disponibilizadas para o controle do mosquito transmissor.
Jornal de Domingo - O que é dengue?
Rivaldo Cunha - Dengue é uma doença infecciosa aguda e possui quatro sorotipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). É transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti infectado.
Jornal de Domingo - Quais são os sintomas?
Rivaldo Cunha - Febre alta com duração de 2 a 7 dias, dor de cabeça, dor no corpo e nas juntas, dor atrás dos olhos, manchas vermelhas pelo corpo, dores abdominais, vômitos, mas para diagnóstico e tratamento eficaz, consulte sempre um médico.
Jornal de Domingo – No ano de 2010 foram gastos R$ 1,2 bilhão no combate a dengue. Porque ela ainda é considerada um problema grave?
Rivaldo Cunha - A dengue é um problema gravíssimo para a Saúde pública, pois as pessoas infectadas ficam dias de cama, sem trabalhar, isso é um custo para o Brasil, pois o tratamento é relativamente barato, com hidratação e poucos medicamentos. Mas os valores só tendem a aumentar enquanto o País não resolve o contexto que auxilia na proliferação da dengue.
Jornal de Domingo- E quais são eles?
Rivaldo Cunha – Resolver o abastecimento de água: pessoas que não têm acesso à água encanada armazenam em locais sem tampa, deixando água parada e o habitat perfeito para a reprodução do mosquito. Manter uma coleta regular dos resíduos sólidos. Manter terrenos baldios limpos: principalmente aqueles que ficam muitos anos parados devido à especulação imobiliária.
Também é preciso resolver a segurança pública: por exemplo, em alguns lugares controlados pelo tráfico de drogas, como algumas favelas, os agentes de saúde e o poder público não conseguem entrar e fazer uma ação contínua e efetiva, e ampliar o acesso à educação: para que problemas relacionados com a adesão às medidas preventivas propostas pelo poder público sejam superados.
A Secretaria de Estado de Saúde, com a contribuição das secretarias municipais de Saúde de vinte municípios, mantém mensalmente atualizados os dados sobre os casos de dengue no estado, com o objetivo de subsidiar o panorama da doença e ser um instrumento de auxílio para a elaboração de estratégias, ações e interlocuções entre as equipes técnicas.
Jornal de Domingo – As pesquisas continuam no estado?
Rivaldo Cunha - É fundamental a continuação dos esforços para o fortalecimento da Ciência e Tecnologia em Mato Grosso do Sul, por exemplo, com o financiamento de redes de pesquisa, como a Fundect fez acreditando em nosso projeto, pois isso contribui não só para o controle da doença e, talvez, para a descoberta da vacina, mas também para nortear as políticas públicas e otimizar os investimentos no combate da dengue.
Demais dados e informações sobre esse e outros projetos da Fundect no site: www.fundect.ms.gov.br .
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