Campo Grande cresceu e se transformou ao longo dos 126 anos de história, mas uma característica essencial continua moldando o cotidiano da capital: a presença de seus córregos. São 33 cursos d’água que cortam bairros, formam parques, alimentam o Rio Anhanduí e, ao mesmo tempo, expõem as contradições de uma cidade que convive entre a natureza e a urbanização acelerada.
Entre os mais conhecidos estão os córregos Prosa, Segredo, Bandeira e Lageado. O Prosa nasce em área protegida pelo Parque Estadual que leva seu nome; o Segredo, por sua vez, guarda suas nascentes no Parque Estadual das Matas do Segredo. Juntos, desaguam no Anhanduí, que cruza a malha urbana e marca o encontro dos fluxos naturais com o concreto da cidade. Esses cursos, porém, não são apenas geográficos: são a memória viva de uma cidade que se ergueu sobre águas que hoje se encontram pressionadas, poluídas, canalizadas ou em erosão.
Nas últimas décadas, a urbanização intensa transformou córregos em canais de drenagem. Muitos perderam nascentes e margens para a expansão de bairros. Obras de contenção andam a passos lentos, gabiões que serviriam de suportes para as margens comumente cedem, enchentes cada vez mais freqüentes em épocas de chuva forte — tudo isso mostra que a cidade ainda tem grandes desafios da equação entre crescimento e preservação. O Ministério Público tem exigido planos de recuperação, e o IMASUL monitora a qualidade das águas, mas essa equação ainda está longe de uma solução definitiva. Especialistas, poderes públicos, empresas e sociedade civil vão precisar sentar à mesa, sem “armas”, e dialogar.
E nesse contexto existem vários estudos como o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de 2018, lei que organiza a cidade para os próximos 30 anos. O documento ampliou o perímetro urbano em até 83%, criou zonas especiais de interesse ambiental e instituiu instrumentos modernos de planejamento. Também previu planos de mobilidade urbana, ciclovias e rotas acessíveis. Foi reconhecido, inclusive, por integrar urbanismo e meio ambiente em uma mesma diretriz, alinhando Campo Grande à Agenda 2030 da ONU.
Mas planos só têm força quando saem do papel. E será dessa forma que juntos todos os agentes e principalmente a sociedade organizada poderão contribuir. Ao mesmo tempo, propostas recentes de liberar obras em áreas de preservação mostraram como é frágil a fronteira entre o avanço urbano e a proteção ambiental.
Campo Grande precisa encarar seus córregos não apenas como obstáculos ao asfalto, mas como patrimônios ambientais e culturais. Cada curso d’água guarda a história do encontro entre o cerrado e a cidade, entre o natural e o construído. O desafio do Plano Diretor é justamente conciliar essa herança com o futuro urbano, garantindo que a capital cresça de forma ordenada, sustentável e justa.
Cuidar dos córregos é cuidar de Campo Grande. O destino da cidade está nas águas que a atravessam — silenciosas, mas firmes em lembrar que não há urbanismo possível sem respeito à natureza.
Sérgio Carvalho – jornalista, roteirista e diretor
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Rio Anhanduí (Foto: Marcos Ermínio) 



