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Opinião

Uma boa proposta?

05 novembro 2021 - 16h06Jeferson Passos e Pedro Pedrossian Neto    atualizado em 05/11/2021 às 16h08

O economista Bernard Appy, em recente artigo neste jornal, admitiu que a aprovação da PEC 110 passa pelo convencimento das grandes cidades – em especial das capitais – e do setor de serviços, de que a junção do ICMS e ISS seria um bom negócio. Sem levar em consideração os demais aspectos da PEC, que também merecem debates mais aprofundados, vamos nos ater aqui apenas aos aspectos centrais da fusão desses dois tributos, que juntamente com a nova CBS federal, formaria o chamado IVA-dual.

O primeiro problema – nada trivial – é o aumento da carga tributária sobre o setor de serviços. A alíquota atual do ISS, pela legislação nacional, não pode ser superior a 5% e nem inferior a 2% – patamar mínimo estabelecido para coibir a guerra fiscal entre as cidades. As alíquotas do ICMS, por sua vez, variam muito de um Estado para o outro, mas gravitam ao redor de 18% e podem chegar a valores como 25% ou mais. Estima-se que, somando as alíquotas do novo IBS e da CBS federal, a carga tributária incidente sobre os bens e serviços seria de 30% – de longe, o maior IVA do mundo.

Este é um claro indicativo de tributação excessiva nos bens e serviços e que mostra que a “calibragem econômica” da PEC 110 está errada e disfuncional. Nesse caso, seria preferível um IVA com alíquota menor e, para compensar a eventual perda de arrecadação, avançar na tributação da renda e do patrimônio, tal como vigora nos países desenvolvidos e nas economias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esforçar-se por uma reforma tributária cujo desfecho será a criação do maior IVA do mundo parece-nos, no mínimo, contraproducente.

Promover tal elevação na carga tributária no setor de serviços trará, além disso, inconvenientes graves. Além do impacto recessivo num setor que representa 72% do PIB nacional e da deterioração dos orçamentos domésticos com a elevação de mensalidades escolares, planos de saúde, transportes, entre outros, haverá ainda um forte estímulo à “pejotização” dos postos de trabalho – ameaçando o emprego formal no setor que mais emprega no País.

No sistema de IVA, as compras de fornecedores dão direito a crédito do imposto, mas o pagamento de salários não. Então, torna-se muito grande o apelo – sobretudo num setor que praticamente não tem “insumos” senão a própria “mão de obra” – para transformar o empregado da empresa num “prestador de serviços” com CNPJ próprio.

Outro problema grave é o aumento substancial da sonegação. Mesmo com uma alíquota baixa, ao redor de 5%, a sonegação no setor de serviços ainda assim é significativa. Isso porque, diferentemente das mercadorias, os serviços são “intangíveis” – uma vez prestados, dificilmente o fisco tem como averiguar sua ocorrência. Com a imposição de uma alíquota de 30%, haverá uma generalização desta prática. Não foi por outro motivo que, em 1968, quando se instituiu por Decreto-Lei o ISS, estabeleceu-se uma alíquota baixa. Por que desprezar essa lição?

Os problemas da PEC 110 não se limitam aos seus efeitos setoriais disruptivos. A bem da verdade, ao extinguir o ISS, ela obriga o ente municipal a viver de repasses dos governos estaduais – numa clara afronta ao pacto federativo. Não obstante, ainda altera o principal critério de repartição entre os municípios. E em seu lugar, cria-se um critério de rateio cujo efeito fiscal para os municípios é incerto, além de injusto.

A proposta prevê que o rateio da parte destinada aos Municípios seja feito de forma proporcional à população de cada cidade (60% do valor), 5% será dividido igualmente entre todas as cidades de cada Estado, independentemente do seu porte, e os 35% restantes, conforme dispuserem as Assembleias Legislativas Estaduais. Municípios que fomentaram o seu desenvolvimento econômico agora terão que destinar parte de sua arrecadação para aqueles que não fizeram a lição de casa e sobrevivem essencialmente dos repasses federais e estaduais.

Em síntese, a PEC 110 mexe em tudo simultaneamente, sem salvaguardas, com coragem desproporcional ao real conhecimento de seus impactos para a economia e para as cidades.

Seria mais prudente, para a construção de um consenso em torno da PEC 110, fazer o IBS a partir da transformação das 27 legislações estaduais do ICMS em prol de uma única legislação nacional, com imposto de alíquota única, no destino, unificação de base de cálculo, sem incidência em cascata, com padronização de obrigações assessórias – num verdadeiro IVA “padrão ouro”.

Reforma igualmente ambiciosa poderia ser feita com o ISS das 5.570 cidades, unificando-os nacionalmente de maneira objetiva e, sobretudo, segura para a economia e para as cidades. Os problemas do ISS podem facilmente ser resolvidos com normas infraconstitucionais. Juntar o ICMS e o ISS, no complexo cenário brasileiro, pode produzir um resultado mais disfuncional do que o atual. Não há margem para erros, apostas ou experimentalismos econômicos.

*Jeferson Passos, presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e secretário da Fazenda de Aracaju

*Pedro Pedrossian Neto, diretor técnico e secretário municipal de Finanças de Campo Grande

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