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Entrevista A

“Mobilidade urbana é o sangue da cidade”, afirma urbanista

Confira a entrevista completa com Fayez José Risk

27 março 2017 - 12h04Flávia Melo

Com uma grande experiência no serviço público, o arquiteto e urbanista Fayez José Risk é especialista em mobilidade urbana e responsável pelo primeiro projeto para solucionar a lentidão do trânsito na rotatória das avenidas Mato Grosso e Via Parque. Em entrevista ao JD, ele explica a importância da mobilidade urbana para o desenvolvimento da cidade e critica o tamanho do perímetro urbano de Campo Grande, alertando que em breve o município não se sustentará. Ele ainda acrescenta que a frota de carros vem aumentando e destaca a necessidade de investimentos em transporte público. Além disso, comenta sobre os problemas gerados pela verticalização da cidade e os riscos de novas grandes enchentes, como a que ocorreu em fevereiro de 2010. Confira:

JD - Qual a importância de projetos de mobilidade urbana para a cidade? 

Fayez Risk - Trânsito é um componente da mobilidade urbana, que deve ser um dos problemas mais graves da mobilidade urbana, mas há vários outros componentes. Por exemplo, hoje vemos problemas graves na saúde, na educação e na segurança. Todos eles passam pela mobilidade urbana, porque você não vai até o posto de saúde sem mobilidade urbana, não vai à escola sem mobilidade urbana... Então é um problema bem grave, que perpassa a cidade. Uma árvore faz parte da mobilidade urbana. Campo Grande está tendo sua arborização destruída. Os comerciantes do centro, por exemplo, cortam a árvore para aparecerem as fachadas das lojas, mas o cliente não vai mais porque não tem mais sombra e isso faz parte da mobilidade. O pedestre quer andar na sombra. Campo Grande tem uma frota de quase 500 mil carros, carro contribui com o aumento do calor; não temos árvores; não temos calçadas; não temos mobilidade. Não temos transporte público de qualidade. Com isso, aumenta o número de veículos e de motocicletas e o número de acidentes. Essas pessoas acidentadas precisam de atendimento nos postos de saúde e hospitais. Olha como a mobilidade urbana afeta tudo.

JD - Na sua opinião, falta planejamento em Campo Grande?

Fayez Risk - Campo Grande sempre teve planejamento. Em 1902 Campo Grande já tinha plano urbanístico. A cidade tinha quatro, cinco anos e já tinha esse plano. O grande problema é que foi muito pouco respeitado. Até a década de 70 mais ou menos, era praticamente respeitado o que era feito. Em 1960, por exemplo, teve o plano Hidroservice. Foi o primeiro plano de diretor de Campo Grande, que previa a instalação do distrito industrial de Indubrasil, o minianel que é a Ceará, Zahran, Salgado Filho, Tamandaré e Mascarenhas de Moraes. Esse era o anel rodoviário de Campo Grande, que hoje é o centro da cidade, mas em 1980 era estrada. Aí em 1978 houve outro plano, que até hoje conforma Campo Grande e inclusive o plano de transporte, embora tenha sido implantado em 1990, foi planejado nessa época. Os fundos de vales eram parques, então as proximidades dos córregos eram parques. E a cidade se desenvolvia ao longo de eixos, que são as saídas, e os terminais ficariam nesses eixos. Só que na época a cidade tinha 250 mil habitantes. E aí vinha a lei de uso e ocupação do solo, que diz que altura  posso construir... Ao longo desses eixos, se poderiam construir até seis pavimentos, como Paris, e depois, quanto mais se afastasse dos eixos, menos a altura. Assim, seriam concentradas mais pessoas em torno desses eixos para manter o transporte coletivo. Além disso, tinha um terminal no centro, que era na rodoviária – hoje antiga rodoviária. Foi feito um calçadão da rodoviária até o centro. Então as pessoas pegavam os ônibus troncais, desciam na rodoviária e andavam a pé. Isso é mobilidade. Existia calçadão, bancos, iluminação, arborização. Aí veio um “gênio” e tirou o terminal central e esculhambou com o sistema de Campo Grande. Hoje os ônibus se concentram na praça Ary Coelho. Já teve uma pessoa que quis derrubar a praça Ary Coelho para construir um terminal de ônibus, o que é um absurdo do ponto de vista histórico, cultural, urbanístico... Hoje, na rua Rui Barbosa, passam 32 linhas de ônibus, um ônibus a cada 30 segundos em média. Isso é sinal de câncer no sistema de transporte.

JD - Campo Grande está começando a ter problemas no trânsito, como engarrafamentos. O que é possível fazer para que esses problemas não se intensifiquem?

Fayez Risk - Em termos de equipamentos de semaforização, tem um projeto pronto que faz parte do PAC da Mobilidade para mais de 600 semáforos novos, equipamentos novos, central de controle. Essa parte vai ser resolvida e espero que em breve, porque essa atual administração tem se dedicado a isso. Tanto que a primeira obra do prefeito Marquinhos Trad é a da rotatória da Mato Grosso, uma obra de mobilidade urbana. Mas antes dessa questão de semáforos, nós precisamos fazer em Campo Grande uma coisa que nunca tivemos e eu peço para todos os gestores desde 1980, que é a Pesquisa de Origem e Destino. Eu sempre falo que a mobilidade urbana é o sangue da cidade, ele precisa estar correndo bem para que tudo funcione corretamente, então precisamos papear esse sangue da cidade. Essa Pesquisa de Origem Destino identifica o fluxo das pessoas, onde você mora, onde você trabalha. Repara que o seu trajeto diário é quase sempre o mesmo. E nós precisamos identificar isso, saber os desejos da cidade. Eu preciso saber que um morador da Moreninha deseja ir até o Aero Rancho. Hoje ele precisa sair da Moreninha, vir ao Centro e depois voltar para o Aero Rancho, porque não existe uma linha de ônibus que liga os dois bairros. Às vezes tem um fluxo entre 6h e 8h da manhã de 400 pessoas. Poderia ter uma linha de ônibus para atender esse público específico. Como eu não sei isso, não consigo planejar.
 
JD - Outro ponto bastante debatido com relação à mobilidade urbana é o perímetro da cidade. Como o senhor vê essa questão?

Fayez Risk - A minha maior preocupação com Campo Grande é o tamanho da cidade e sua inviabilidade econômica. Campo Grande está caminhando para se tornar uma cidade sem solução. Hoje Campo Grande tem 350 km² de perímetro urbano, o que é um absurdo e 35% de vazio. Para se ter uma ideia, São Paulo tem 410 km². Campo Grande tem 850 mil habitantes enquanto São Paulo tem 8 milhões. Mas se você pegar só a área urbanizada desses 350 km², tem cerca 180 km² ocupados. Esses 180 km² são maiores do que  a área de  Porto Alegre, de Recife e de Salvador. Campo Grande é uma cidade caríssima. É como se você pegasse uma pessoa que mora numa casa de 50 m² num terreno de 360 m² e de repente ampliássemos esse terreno para um hectare, mas ela continua recebendo o mesmo salário de sempre. Ela não vai dar conta dos gastos, que vão ampliar muito. É isso que acontece hoje com Campo Grande, que está ficando inviável economicamente. Não há imposto suficiente. Hoje, temos 3,2 mil km de rua pavimentada. Dá para ir daqui a São Paulo três vezes e ainda sobra. E temos ainda mais de mil km sem pavimentar. Para mantermos isso, precisaríamos de cerca de R$ 1 bilhão. O orçamento de Campo Grande é de R$ 3 bilhões, então um terço do orçamento seria necessário para apenas pavimentar a cidade. E os problemas não são só em colocar o asfalto, é preciso manter, recapear o que já existe... Aí, além disso, temos esgoto, água encanada, rede de energia elétrica, coleta de lixo. O lixo é cobrado por quilo, mas se em uma quadra mora apenas uma pessoa, o caminhão de lixo precisa se deslocar até essa quadra para pegar o quilo de lixo de lá. Isso sai muito caro para a prefeitura e, consequentemente, para a população. Por isso é comum vermos reclamações sobre pessoas que pagam taxa de iluminação pública, mas não tem a rua onde mora iluminada. Várias ruas estão iluminadas sem ninguém morando. É aí que entra um grande problema de Campo Grande que ninguém está dando muita importância ainda, que a mobilidade urbana.
  
JD - Qual a relação entre arborização da cidade e enchentes?  

Fayez Risk - No começo da década de 1980, foi elaborada a Carta Geotécnica de Campo Grande. Somos um dos poucos municípios brasileiros com um documento desses, que indica o solo da cidade. Mas pegaram essa carta e guardaram. Essa carta dizia que a região onde está a Mata do Jacinto, Carandá Bosque, Vila do Polonês, é uma região extremamente frágil. Ela é arenosa. Pode ser ocupada, mas precisa receber urbanização de baixo impacto, ou seja, casas com grandes terrenos, com muita área permeável, com muito cuidado no uso do solo da região. Arborização é importantíssima para prevenir enchentes, porque as árvores retêm a água da chuva na sua copa. Em 1980 um governador derrubou uma mata que tinha ali para construir um conjunto habitacional. Os moradores da Mata do Jacinto evidentemente não têm culpa disso, mas aquela região não poderia ter sido habitada daquela forma. Com as construções ali, solo sendo impermeabilizado, a areia começou a ir para os córregos e gerou uma grande erosão onde hoje é o Parque do Sóter e o lago praticamente não existe mais. Essa areia vai descendo pelo córrego e chega até o Anhanduí. Então quando temos enchente na Vila Jaci é por conta da água que corre da região da Mata do Jacinto, que está impermeabilizada e não podia ter sido. No córrego do Anhanduí vai ser feita uma obra que tem um projeto muito bom, mas o problema lá em cima continua. Já foram feitas várias barragens no Sóter, que salvaram Campo Grande de uma grande tragédia em fevereiro de 2010, naquela grande chuva que estourou a Ceará. Ia ser um tsunami que ia interditar a região próxima do córrego Anhanduí. Sorte que as barragens seguraram parte dessa água e tínhamos a avenida Ceará, que se tornou uma grande barreira. Pode acontecer isso de novo? Pode. Por isso precisamos rearborizar a cidade, não permitir que se impermeabilize todo o terreno na hora de construir. Mas é preciso haver um plano de arborização, porque não é qualquer árvore que deve ser plantada. É preciso ainda construir dispositivos de barragens, piscinões.
  
JD - As obras na Via Parque com a Mato Grosso podem interferir de alguma forma nisso?

Fayez Risk - Não. O problema que existe em Campo Grande nesses trabalhos de drenagem se chama manutenção. Há tempos, um projetista aqui entrou no canal do córrego da Maracaju e anunciou que está criando alocas no córrego ali. Ninguém tomou uma providência. E o risco é de uma construção ruir. O Parque das Nações Indígenas têm duas barragens, dois lagos que estão assoreados já, com areia que escorre lá da avenida Hiroshima. Aqueles dois lagos servem para segurar a água, mas, como estão assoreados, não seguram mais nada e a água passa por cima e se encontra com a água do Sóter, criando praticamente uma cachoeira ali.
 
JD - Como o senhor vê essa tendência de verticalização da cidade?

Fayez Risk - A verticalização da cidade não é má quanto á drenagem, ao contrário do que muita gente fala. É quando se constrói um prédio praticamente em cima de um córrego, como está acontecendo ali no Parque das Águas. Mas outro problema que existe com a verticalização é que aquela região do Shopping Campo Grande está no limite máximo de energia elétrica. Esgoto ali esquece. Em breve teremos problema de esgoto naquela região. Porque foi planejado esgoto para um terreno que vai ter uma residência com cinco pessoas, por exemplo, mas nesse terreno, em vez de uma casa, você constrói um prédio de 30 pavimentos. Imagina a rede de esgoto como fica? Aí, além disso, o prédio é construído numa rua que tem seis metros de largura. Como entra carro lá, como vai resolver o trânsito da região eu não sei. Outro exemplo são as torres construídas em frente ao Parque do Sóter, com 800 apartamentos. Como saem 800 carros, no mínimo, de manhã? Para se ter uma ideia, numa faixa de carro de três metros de largura, andando a 60 km/h, passam 300 carros por hora. Foi aí que surgiu o problema da rotatória da Mato Grosso com a Via Parque, que não tem problema nenhum. Inclusive ela foi muito bem projetada. O problema mesmo é a ocupação ali da região. Nós temos um grande condomínio, OAB, dois salões de festa, um centro de convenções, mais quatro hotéis, dois hospitais, uma revendedora de carro, um bar e ainda o Parque dos Poderes, além de todo o Carandá Bosque saindo por uma única rua, que é a Vitório Zeola, que cai na Mato Grosso. O erro não está na rotatória, mas no fato de ter permitido que se construíssem empreendimentos que não deveriam ter sido construídos ali. Imagina o dia que tiver um evento no Albano Franco, um show no Diamond Hall, uma formatura no Golden Class e eu, como funcionário público do Governo do Estado, precisar numa emergência ir ao hospital da Cassems? Eu vou morrer, porque não vou conseguir chegar até lá. Então a rotatória é reflexo de um problema. Ela não tem culpa.
 
JD - Então mesmo essa obra não vai solucionar?

Fayez Risk - Não. Houve discussões para colocar ali no lugar da rotatória um viaduto. Eu iria transferir o problema de um ponto para outro. Seria feito uma obra de muito mais de R$ 40 milhões, fora os custos urbanísticos de fazer uma alça em frente a um hotel, de desapropriação de casas ali. Sem falar que a cidade não tem dinheiro. E o problema continuaria, porque os empreendimentos continuam ali na Mato Grosso. Os engarrafamentos à noite em dias de festa vão continuar os mesmos. Por isso a solução dada para a lentidão do trânsito na rotatória foi a instalação de semáforos.

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