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Entrevista A

"Quem condena é o tribunal e não a opinião pública"

Entrevista com Vital Moreira, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

18 maio 2018 - 17h27Da redação

O entrevistado da semana é o professor Vital Moreira, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Portugal, e dos maiores nomes em Direito Constitucional do mundo, e ex-membro do parlamento europeu. Vital fala um pouco do contexto jurídico de diversos países, e de questões internacionais da área.

Ele participou do Congresso Internacional de Direito Eleitoral, que se realizou no TRE- Tribunal Regional Eleitoral, na quinta-feira (17). E abordou o tema "O 'voto personalizado' em sistemas proporcionais - O caso das eleições do Parlamento Europeu", durante a abertura do evento.

JD1 Notícias: Professor o Brasil vive hoje, no meio jurídico, um conflito entre o garantismo, que é o respeito à Constituição, e as comissões, que nem sempre estão totalmente dentro da lei, mas que seriam necessárias para combater a corrupção. Como o senhor interpreta essa confusão?

Vital Moreira: A corrupção é um câncer, como se diz no Brasil, que importa combater denodadamente. O Estado de direto exige uma serie de princípios: não há crime sem lei; as pessoas não são criminosas antes de se provar que o são, há presunção de inocência; proporcionalidade; não haver julgamento na praça pública, pois quem condena é o tribunal e não a opinião pública. É um equilíbrio difícil, sobretudo em períodos de crise. Por outro lado justiça faz justiça, na faz política e vice e versa. E nestes tempos de crise há o perigo de em termos de garantir a eficiência acabar desvalorizando as garantias. Fazer justiça na praça pública e não no tribunal, aniquilar o principio da presunção de inocência e por em causa a superação dos poderes, pelos tribunais fazerem política e vice e versa.

Veja na Europa, o problema é mais complicado por quê? Porque de fato o Brasil tem instituições que nós não temos, por exemplo, nós não temos delação premiada. A maioria da comunidade constitucional Portuguesa considera inconstitucional a delação premiada, portanto não temos.

Segundo o juiz de instrução não participa no julgamento, em Portugal, portanto o juiz de instrução aquele que acusa, depois não faz parte da equipe a julgar por ele acusou, logo, no nosso ponto de vista, não tem a capacidade de analisar friamente e imparcialmente a prova que o acusador trouxe.

Terceiro não há cumprimento de pena prisão antes do julgamento definitivo. Portanto sem o transito em julgado não há cumprimento de pena. Pode haver uma prisão preventiva, se houver os indícios necessários para isso, agora começar a cumprir uma pena quando a sentença não é definitiva isso não existe.

Portanto a diferença de instituições é tão grande que não permite que eu um jurista Europeu, apreciar de fora distante o caso brasileiro.

Há também outras diferenças como as sessões do Superior Tribunal Federal serem transmitidas na televisão é completamente estranha na nossa maneira de ver a justiça. A Justiça não se faz em publico do nosso ponto de vista e, portanto nunca seria imaginável em Portugal que se transmitisse uma sessão que se julga um Habeas Corpus ou qualquer outra matéria, pura e simplesmente. Juiz não é estrela de televisão, juiz não fala para televisão, juiz não fala para o público, juiz fala para os seus parceiros num discurso deliberativo e argumentativo. Está a ver que é tudo outra visão e, portanto quando as visões são completamente diferentes o risco é a incompreensão.

Há essa separação entre justiça e a opinião pública, a justiça e a política e eu penso que é assim que deve ser. Justiça não se faz em público, pois mesmo o criminoso mais criminoso tem direito de não ser linchado em praça pública.

JD1 Notícias: Como o senhor vê as delações premiadas?

Vital Moreira: Como lhe disse não há delação premiada na Europa, talvez dois países dos 28 tenham algo parecido, mas a principio sou contra, e penso que não cabe nos princípios do estado de direito. Acho que uma pessoa tem que ser presa depois de ser investigada e não ser presa para ser investigada.

JD1 Notícias: Agora no Brasil está se falando muitos sobre os julgamentos e as diferentes instâncias, como no caso do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, como o senhor disse em Portugal um individuo só é preso depois do transito em julgado. Como o senhor analisa está prisão, no âmbito acadêmico?

Vital Moreira: Eu não quero intervir no debate político brasileiro. Mas no âmbito acadêmico, nós em Portugal vivemos bem com essa interpretação, estrita da Constituição, e a nossa norma constitucional é igual a vossa, presunção de inocência implica, na leitura constitucional portuguesa, que enquanto não houver condenação definitiva há inocência em não se pode cumprir pena alguém inocente.

JD1 Notícias: Como o senhor vê essa questão do direito nas fronteiras?

Vital Moreira: O direito internacional tem um capitulo que é exatamente a cooperação penal internacional e, portanto está baseado em acordos internacionais. No caso da União Europeia a cooperação faz parte do direto federal da União Europeia. Nós nem sequer, hoje na união, temos a figura da extradição, ela deixou de existir. O que há é um mandado de detenção europeu, pelo qual um tribunal quando julgando uma pessoa pede ao país onde ela se encontra que a detenha e a encaminhe para o tribunal, portanto é o mecanismo de direito interno da União.

A questão que voe me coloca depende se há acordos de cooperação internacional que cubram essas situações.

JD1 Notícias: E quanto à teoria do domínio do fato?

Vital Moreira: Eu não sou penalista, mas em matéria penal só se pode ser responsabilizado penalmente a titulo de autoria, cumplicidade ou encobrimento. O que eu temo é que no afán de lutar contra certas formas de criminalidade mais nocivas a coletividade, haja uma tentação para interpretar extensamente o conceito de encobrimento, ou até criar novas de responsabilidade penal.

JD1 Notícias: A Europa hoje é una. Como funciona a aplicação do direito na Europa Unida?

Vital Moreira: A Europa é una em várias áreas, sobretudo na econômica, em outras os Estados (países) mantém sua autonomia. O que nós temos é uma ordem jurídica de vários níveis, o nível Federal (que seria o da União), o nível nacional, o nível regional. Por exemplo, na matéria penal a União tem competências muito restritas, os tratados são poderes a união somente em áreas bem restritas, sobretudo em matérias ligadas ao uso indevido de dinheiro da união e matérias relacionadas.

Mas a União em geral, ao contrário do Federalismo Americano e Brasileiro, a União Europeia é sobretudo uma entidade com poderes normativos, legislativos, mas não os aplica, quem aplica as normas da União são os próprios membros, que estão obrigados a aplicar essas leis. A diferença do federalismo é que não é a União que aplica suas próprias leis.

JD1 Notícias: Portugal hoje é um dos maiores centros turísticos do mundo. E é considerado um bom lugar para se viver. Por que ?

Vital Moreira: Hoje há uma migração, milhares e milhares de pessoas, brasileiro, franceses, britânicos, suecos, que estão comprando casas em Portugal, para viver ou passar temporadas. As razões são várias: primeiro por que Portugal é um país tranquilo, é um país tranquilo politicamente, economicamente, socialmente, com níveis de segurança elevados.

Temos um clima invejável na Europa, temos as quatro estações. Eu acho que convivemos bem com os estrangeiros. Com os brasileiros não consideramos os estrangeiros, são portugueses intermediários. Temos diversas comunidades de imigrantes em Lisboa, o que a torna uma cidade extremamente mista. Ouvi uma frase num jornal português que descreve bem como me sinto em relação a Portugal hoje “Eu gosto dessa Portugal que é uma mistura  virtuosa de nacionalidade e etnias”.

Portugal é um país que gosta de receber visitantes e se beneficia do fato de não ser vítima de nenhum ataque terrorista, fato que atingiu vários outros países da Europa, o que se torna mais um atrativo para o país.

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