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Para sair do lockdown tributário

Confira o que fala Pedro Pedrossian Neto

07 agosto 2020 - 11h14Pedro Pedrossian Neto    atualizado em 07/08/2020 às 11h19

Sob o peso da responsabilidade e de crescentes incertezas, o Congresso Nacional terá de definir no segundo semestre deste ano um modelo tributário que impeça o colapso fiscal do Estado brasileiro e devolva a capacidade da economia em gerar empregos e renda num mundo acossado pela depressão pós-pandemia.

É um truísmo, mas o primeiro ponto a ser observado na elaboração deste novo modelo deve ser o de não piorar o quadro tributário atual, seja na complexidade dos tributos quanto na carga de obrigações sobre o contribuinte. O segundo ponto é prevalecer um espírito de pragmatismo sobre o que é realmente possível reformar nas condições do cenário brasileiro: um país continental complexo, federativo, de desigualdades regionais pronunciadas e espaço fiscal nulo para perdas de receita. Na luta entre a reforma tributária desejável e a factível, deve-se optar pela segunda – sob a pena de reeditarmos o imobilismo que nos trouxe até aqui.

Esses dois princípios acima são rigorosamente descumpridos pelas propostas que preconizam a criação de um imposto único sobre o consumo nos moldes de um Imposto sobre Bens e Serviços ou na proposta do chamado IBS-dual. O IBS – a proposta de maior protagonismo hoje –, ao estabelecer uma alíquota única ao redor de 25% sobre serviços, aumentaria de maneira indefensável o custo do transporte coletivo (isento na maioria das cidades), dos planos de saúde e das mensalidades escolares, para citar apenas alguns exemplos.

Há ainda a questão da complexidade. Com regras de transição de dez anos, o IBS conviveria com os impostos atuais com alíquotas decrescentes até a sua extinção. O contribuinte, na falta de problemas, teria que sujeitar-se por uma década às contradições que hão de surgir entre os impostos atuais e o novo imposto. Sem falar nos fiscos federal, estadual e municipal, fazendo valer-lhes quase sempre a interpretação que menos convém ao sujeito passivo.

Um terceiro ponto a ser observado é a necessidade em se manter a autonomia financeira dos entes subnacionais. Transferir o poder de tributar o Imposto sobre Serviços – justamente o tributo mais promissor e dinâmico –, dos municípios para os Estados, faria das prefeituras meras autarquias a depender de repasses de outros entes da federação. Para as capitais, que ao contrário dos municípios pequenos do interior possuem arrecadação própria significativa, a perda do ISS é inaceitável e inegociável. O imposto único, embora possua um apelo intrínseco à simplicidade, nada tem de simples e pode trazer mais problemas do que soluções para o Brasil real.

Uma reforma tributária factível deve começar resolvendo os dois maiores focos de problema atuais: o ICMS e o PIS/COFINS. Sozinhos, eles representam quase 60% das queixas do empresariado segundo sondagem especial da CNI sobre o tema, enquanto o ISS dos municípios apenas 1%.

Há cada vez mais espaço – mesmo entre os Estados campeões da guerra fiscal – em renunciar ao modelo atual em prol de uma lei complementar nacional do ICMS que coloque termo à infinidade de regimes tributários especiais, que estabeleça um número definido de alíquotas efetivas de ICMS, e que venha abolir a odiosa prática de cobrar o imposto “por dentro” (na qual o imposto integra sua própria base de cálculo).

Não há tabu – desde que haja compensações claras – em transferir competência da cobrança da origem para o destino, conquanto vigore uma regra de transição suficientemente longa para os Estados se adaptarem sem maiores traumas. Além disso, que se prevejam fundos de ressarcimento aos Estados produtores e fundos de desenvolvimento regionais, todos assegurados constitucionalmente para salvaguardar o interesse de eventuais perdedores.

Consenso antigo, a unificação do PIS e da COFINS numa contribuição de valor agregado federal e do IPI em um imposto seletivo incidente sobre produtos nocivos a saúde como cigarros e bebidas, poderia avançar sem grande dificuldade. Menos consensual, mas igualmente possível, a unificação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – além de simplificar a vida do contribuinte, ainda aumentaria de maneira expressiva o valor dos repasses ao Fundo de Participação dos Estados e Municípios.

Os fiscos municipais, por sua vez, passariam a obedecer a apenas uma legislação nacional do ISS – abrindo mão do cipoal tributário de 5.570 legislações municipais, estabelecendo o ISS onde o serviço é consumido e com regras claras que assegurem ao contribuinte o direito de saber onde, como, quando e o que pagar.

Estas ideias compõem, em sua maioria, a iniciativa do “Simplifica Já” – proposta modesta no nome, mas efetiva nos resultados. O futuro se constrói a partir das condições do presente, e a reforma tributária possível é aquela que supera as limitações legadas pelo passado identificando com maturidade onde se pode avançar, sem experimentalismos, sem “inventar” um sistema tributário do zero com os riscos inerentes do intento ao destino nacional.

Pedro Pedrossian Neto é mestre em economia política pela PUC-SP e secretário de finanças e planejamento de Campo Grande – MS.

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