Menu
Menu
Busca quinta, 25 de abril de 2024
Entrevista A

“O limite de qualquer autoridade brasileira é a lei”

Entrevista com o advogado Carlos Marques

18 novembro 2017 - 08h16Da redação

JD1 Notícias – Em um artigo publicado o senhor criticou a delação do empresário Ivanildo Miranda. Como o senhor vê essa linha de atuação?

Carlos Marques – Eu tratei da delação do Ivanildo porque tinha acabado de acontecer, levou a prisões, enfim. Mas eu tenho tratado dessa questão da delação em vários setores e tenho visto várias delações no mesmo sentido dessa que aconteceu aqui em Mato Grosso do Sul. Como cidadão nós temos que ter a delação, a colaboração premiada, como um instituto importante e fundamental no combate a corrupção. Inegavelmente esse instituto veio, vai ficar e o cidadão tem que cuidar dele com o maior carinho do mundo. É um instituto que pode desbaratar essas quadrilhas que tem surrupiado o dinheiro público, em todas as instâncias, municipal, estadual e federal, então é óbvio que ele é importante para nós. O que tem acontecido muito e a gente tem visto em vários outros lugares é a polícia ou o Ministério Público, quando conduzem a delação, ficam cortando a delação na parte que interessa a elas. Então vamos dizer que tem dois crimes sendo confessados, que envolvem alguém que tem autoridade ou foro privilegiado no STJ ou no STF, como o governador, ou um ex governador com mandato por exemplo, e outro que não envolve. Então eu autoridade escuto e trato da delação só da denuncia que interessa a mim, por que não vai tirar de mim a competência. A denuncia  que tiraria de mim a competência e mandaria todo o processo para o STJ e STF eu finjo que não escuto. E isso é evidente que está errado. A autoridade não pode agir dessa forma. A autoridade ouviu um, dois, três, quatro, cinco seis situações suspeitas  ela tem que, na delação, indagar, porque a delação é um termo de acordo, é um trato. Eu vou comprar seu carro, mas você emite que o pneu está estragado, o motor fundido, obviamente você terá consequências e o delator também terá. Mas a autoridade nesse momento, antes de adotar medidas para os outros envolvidos na delação precisa verificar essa história. E se a autoridade então percebe que tem uma ou mais autoridades que tem competência e foro privilegiado , ela é obrigada a remeter aquilo tudo para Brasília . E la se  decide se desmembra, fica lá  uma parte ou se devolve o restante para Campo Grande continuar investigando. Quando a autoridade não age assim qual o risco que a sociedade corre? Esta delação será anulada lá na frente e a nulidade da delação não dá efeito só para o delator, como alguns estão sustentando, dá também para os demais. O risco de isso acontecer é gravíssimo para todos nós. Não podemos permitir que a autoridade faça isso. A lei não dá a autoridade poder supremo para conduzir essa questão como eles estão conduzindo.

JD1 Notícias – Isso seria uma espécie de prevaricação?

Carlos Marques – Na minha cabeça sim. Esse assunto foi muito discutido quando o presidente Michel Temer, naquele, em tese, reunião na surdina  feito com um dos diretores da JBS, teria ouvido a confissão de crimes e não teria tomado providência. Um dos assuntos que estava na denúncia levada para o congresso Nacional foi esse tema. Porque a autoridade ouvindo a confissão de qualquer crime é obrigada a tomar providência. Então o delator chega lá fora e diz que tem contra cinco pessoas, mas vai falar só de um por que senão você perde a competência ou que tenha interesse que seja só contra um. Não interessa o motivo, em uma circunstancia ou em outra, a meu ver, pode sim a autoridade estar prevaricando. Ela é obrigada a se informar, a investigar e a tomar providências. Veja que nesse caso, especificamente do Ivanildo,  que colaborou  com as investigações  o que é é bom,   se tiver citação situações de autoridades com foro privilegiado, teria que ter ido para Brasilia.

JD1 Notícias -  O ministro Ricardo Lewandowski mandou voltar um delação essa semana. Ela se encaixa dentro do que o senhor está falando?

Carlos Marques – A meu ver sim. Essa decisão do Lewandowski vai ser uma novidade importante no meio jurídico e começou a ser bastante debatido por que ela vai colocar os limites. A lei da delação premiada é bastante clara, muito interessante e veio para ficar. Se nós não corrigirmos essas distorções esta lei cai por terra porque começam a anular todas as delações. O que o ministro fez foi mostra que existem limites da autoridade de faz o acordo , que assina o contrato de delação premiada. O ministro está estabelecendo limites  através dessa decisão. Acredito que o Supremo deva seguir essa linha do ministro para poder corrigir essas distorções. Tem casos em que a autoridade policial ou o Ministério Público já fixam pena, o sujeito não é processado e já começa a responder pena, ainda que seja domiciliar, tornozeleira, entregando passaporte ou até mesmo preso por um período mais curto A autoridade policial ou o MP prendem o sujeito em uma prisão preventiva, provisória, uma condução coercitiva, que virou uma onda no Brasil inteiro, a maioria das vezes são conduções midiáticas, sem qualquer necessidade. O sujeito sendo coagido vai para delação e se submete a receber uma pena de autoridade que não tem competência. A Constituição Federal é claríssima, quem é que aplica pena nesse pais? Poder Judiciário. Então não se poder retirar no judiciário a competência para isso ainda que em acordo. Você pode dizer que sugere  pena e o juiz vai verificar isso e vai aplicar ou não de acordo com as condições do cumprimento da delação.

JD1 Notícias – Várias autoridades argumentam que o combate a corrupção é superlativo, e que compensa os excessos. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Carlos Marques – Eu concordo que o Brasil chegou em um nível tal de corrupção que a gente já não sabe mais o que é o ato do governante que está na gestão da coisa pública ou na gestão da coisa pessoal tamanha a gravidade dessa questão no país. Então é obvio que quando isso acontece nós todos aplaudimos e queremos realmente que isso seja apurado, queremos que as pessoas sejam punidas, que a nova era e onda de governantes que vem aí, venham com a consciência diferente, tudo isso é o que nós queremos. Agora nós não podemos admitir os excessos, aqui já fala não o Carlos Marques cidadão, mas o advogado. A Constituição Federal garante às autoridades constituídas a apuração, investigação, punição  e cumprimento de prisão das pessoas que cometeram crime, isso está lá estampado. Agora a mesma Constituição,  a meu ver, no mesmo nível e mesmo grau, garante ao cidadão direitos constitucionais fundamentais para a sua liberdade, para o devido processo legal, o princípio da legalidade. Então veja, eu só posso responder a uma ação dentro dos limites que a lei permite e que a lei estabelece, qualquer autoridade que saia desses limites, que por exemplo, investigue uma autoridade não tendo competência para isso, vai gerar nulidade e tem que gerara mesmo, por que é um direito do cidadão responder a um processo  nos limites da lei. Toda vez que a autoridade sai do limite ela está possibilitando a nulidade desse processo, porque o cidadão tem esse direito.

JD1 Notícias – Algumas decisões  que estão surgindo , levam essas questões para a "idade da razão" ?

Carlos Marques – Não tenho dúvida. Embora, o que a gente tem percebido no país, fazendo uma comparação do Brasil com a Itália na Operação Mãos Limpas. Eu li esses dias em um dos boletins do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, um artigo de um jurista italiano que ele faz uma comparação da Itália antes e depois do Mãos Limpas dizendo que todo achavam que a operação iria limpar a Itália e  apresenta números e índices de corrupção na Itália que mostram ainda uma gravidade extrema com relação a corrupção e eu tenho muito receio de que isso aconteça no Brasil. Não tenho dúvida nenhuma que a Lava Jato foi extraordinária para o Brasil todo, escancarou as entranhas do poder, que todos sabiam que era desse jeito, mas ninguém tinha falado. Estamos vendo autoridades presas e condenadas que nós nunca imaginávamos que fosse acontecer, então não tenho dúvida nenhuma, o Brasil será outro após essas operações todas. Por isso que eu digo que a colaboração premiada veio para ficar e PE um instituto fundamental para nós. Agora, será que o Brasil muda efetivamente? A gente tá vendo todo esse movimento e continua gente sendo presa por fatos recentes dentro da presidência da república por exemplo. Então é um câncer na  sociedade brasileira , a  corrupção.

JD1 Notícias – O senhor é a favor da lei de abuso de autoridade?

Carlos Marques – Sou a favor. Por que veja, para combater a corrupção vale tudo? Não. Para combater a corrupção vale o que a lei permite para a autoridade. O limite de qualquer autoridade brasileira, municipal, estadual, federal, o limite para o presidente da república, qualquer juiz, promotor ,policial,guarda de transito ,  qualquer um, é a lei. Se o sujeito pisar para o outro lado da lei ele está irregular. Então acho que a lei de abuso de autoridade vem para socorrer a sociedade brasileira contra esse tipo de coisa. A autoridade tem agido muito de forma midiática, para dar destaque para as operações, isso é um perigo para o cidadão constituído de poder, para  a autoridade pública e também para o cidadão comum. E a gente aplaude quando não é com a gente, quando é um filho que é levado, quando é a mulher, o pai que é levado dessa forma, todos nós reagimos.

JD1 Notícias – O judiciário está a reboque da mídia e da opinião pública?

Carlos Marques – Não está a reboque, porque existem homens independentes na  polícia, no Ministério Público e no judiciário. Homens fortes, com conhecimento técnico profundo, que tocam as coisas com extrema seriedade, mas que a mídia  ajuda  muito na repercussão, sobre tudo a mídia social hoje, que qualquer decisão é criticada com termos chulos, gravíssimos, a gente vês muito isso. Então é óbvio que isso pesa na decisão do homem que vai decidir, pesa na convicção do Ministério Público que vai agir, de um delegado ou policial que está investigando uma crime.
 
"A polícia ou o ministério público, quando conduzem a delação, ficam cortando a delação na parte que interessa a eles"
 
" Se a autoridade então percebe que tem uma ou mais autoridades que tem competência e foro privilegiado , ela é obrigada a remeter aquilo tudo para Brasília . E la se  decide"
 
"Essa decisão do ministro Lewandowski do Supremo Tribunal Federal, recentíssima, vai colocar um limite nisso, nós daqui pra frente vamos discutir essa questão para saber quais os limites destes acordos"

 

Reportar Erro

Deixe seu Comentário

Mais Lidas

AGORA: Capitão do Batalhão de Choque morre na Capital
Polícia
AGORA: Capitão do Batalhão de Choque morre na Capital
Ronaldo Sorana
Entrevistas
JD1TV: Sicredi inaugura "super agência" na sexta
 Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) -
Justiça
MPMS investiga fraude em concurso da prefeitura de Sonora e recomenda suspensão
Grávida de 9 meses morre após perde o filho ao sofrer acidente de moto em Aral Moreira
Polícia
Grávida de 9 meses morre após perde o filho ao sofrer acidente de moto em Aral Moreira