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Entrevista A

Desembargador confirma superlotação em presídios de MS

Confira na íntegra a entrevista com Ruy Celso Florence,

20 fevereiro 2017 - 09h52Redação

O desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Ruy Celso Barbosa Florence, foi empossado na última quinta-feira (16) membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), o primeiro dos órgãos da execução penal do país, subordinado ao Ministro da Justiça. Em entrevista ao JD, explica a importância de participar do CNPCP e que contibuirá com o debate sobre a crise penitenciária, levando informações de MS, e consequentemente melhorias no desenvolvimento de políticas criminais e penitenciárias do Estado.

JD - O senhor toma posse no Conselho Nacional de Política Penal e Penitenciária na maior crise do sistema penitenciário da história. Que direção o senhor defenderá?

Ruy Celso Florence - Eu tomei posse como um dos conselheiros do Conselho Nacional de Política Penal e Penitenciária. A nomeação no Ministério da Justiça aconteceu na semana passada e a posse foi na última quinta-feira (16) em Brasília. Esse Conselho hoje está sendo estruturado, ou reestruturado, com 26 conselheiros. Antes eram 13 e agora aumentou para 26 exatamente em razão da crise penitenciária que estamos passamos no país. Em alguns Estados a crise já explodiu e em outros está prestes a explodir e estamos procurando soluções. Essas soluções passam por modificações, porque há 200 anos que o Brasil faz mais do mesmo, prende e solta. As pessoas entram de uma forma no presídio e normalmente saem piores. Sobre minha atuação no Conselho, primeiramente quero conhecer as pessoas com quem vou trabalhar e ver o que eles pretendem. Mas me parece que a proposta é que tenha uma modificação na estrutura dos presídios, uma nova política penitenciária no Brasil, com uma forma diferente de tratar o preso e modificar, inclusive se possível, a abordagem da legislação, fazendo com que ela seja aplicada da forma como deve ser aplicada. A nossa pretensão é contribuir nesse sentido, pegando o que está sendo feito de bom no país, juntar e tentar apresentar proposta nesse sentido.

JD - O que o senhor vê de positivo em política carcerária aqui no Mato Grosso do Sul?

Ruy Celso Florence - Aqui em Mato Grosso do Sul nós temos, por exemplo, o presídio de Paranaíba, que é modelo aqui no Estado. Pouca gente sabe disso, mas é um presídio onde se aplicam quase todas as normas de execução penal de forma correta. Os presos lá trabalham dentro do presídio, têm instrução. Para se ter uma ideia, lá funciona uma escola de padeiro, de confeiteiro, de seleiro - e vem um professor da argentina para esse curso, curso de pedreiro, estamparia, sapataria. Enfim, uma série de cursos. E essas pessoas realmente saem de lá qualificadas, porque o maior problema da criminalidade é exatamente a questão econômica e nós sabemos disso. A pessoa às vezes parte para um pequeno tráfico pelo desemprego, pela ignorância. É comum ouvirmos “ah, é porque não é trabalhar” e não é bem assim. Ela não é qualificada para trabalhar. Mas hoje um padeiro numa padaria boa ganha mais de 3 mil reais por mês. E se  você olhar nos classificados do jornal, tem sempre gente precisando de padeiro. Também é difícil achar alguém para trabalhar numa selaria, sapataria. Há uma série de função que as pessoas podem aprender dentro dos presídios. E os empresários se colocam à disposição hoje. O empresário que precisa de um torneiro mecânico, por exemplo, está disposto a colocar o equipamento dentro do presídio e investir na profissionalização dos presos, porque ele vai precisar dessa mão de obra aqui fora depois. Em Campo Grande mesmo, há empresários que empregam 70 presos do semiaberto.

JD - É possível dar condições para que o preso saia do presídio com um emprego então?

Ruy Celso Florence - É possível. Muito possível. E a ideia não é só Mato Grosso do Sul, mas no país todo. E eu não sei nem para onde vou ser designado. Claro que deve ser para cá, mas  vão ser formado grupos que vão atuar em cada região do país, avaliar os problemas de cada região. Espírito Santo está com um problema sério, Rio Grande do Norte também. Essas experiências têm de ser levadas a frente para serem entendidas. Quando pensamos hoje em política para combater a criminalidade, o que acontece aqui hoje não chega a um décimo do que foi na Europa antes da Revolução Francesa. A criminalidade nessa época era assustadora. Hoje estão alugando e vendendo presídios, transformando presídios em hotéis porque não há presos lá. Eles conseguiram mudar isso numa situação muito pior que a nossa. O Brasil não está tão pobre como a Europa ficou após a segunda guerra e nós temos condições. Então podemos resgatar uma série de coisas, desde que tenhamos boa vontade. Uma alternativa seria permitir o voto aos presos, porque aí quem sabe os políticos olhariam de forma diferente para eles. Tudo isso são ideias que são possíveis.

JD - Em Presidente Bernardes existe o Regime Disciplinar Diferenciado. Existe a possibilidade de mais presídios terem esse regime?

Ruy Celso Florence - Nós temos RDD na Federal. No estadual nós não temos esse regime, mas é possível. Na verdade é só uma questão de colocar em alas separadas. Por isso é uma questão de boa vontade. Esse regime é importante para separar o preso durante determinado período para evitar a contaminação com demais presos. A lei prevê a separação de presos mais graves e menos graves, mas acontece que ficam todos juntos ao final do dia, dividindo a mesma cela. E é ruim você colocar alguém que foi preso com uma pequena quantidade de maconha junto com um alto traficante. Isso sem falar na influência de presos que fazem parte de facções como PCC e Comando Vermelho. E aqui há uma estatística que fala que a cada pessoa que você coloca numa penitenciária, você cria oito aqui fora que vão praticar pequenos crimes para dar sustentação para aquele que está lá dentro, para que ele não morra, para que não seja estuprado, porque a partir do momento que o preso entra no presídio, ele é aliciado. E a situação está cada vez pior, porque em vez de diminuir, parece que estamos aumentando o número de presos, cada vez precisamos de mais presídios, semana que vem vamos ter votação para três novos desembargadores na área criminal do Estado. Daqui a pouco serão mais três, mais três, mais três, mais três... E vamos ficar a vida toda criando mais cargo de juiz, de policial.

JD - O senhor é a favor das forças armadas dentro dos presídios?

Ruy Celso Florence - Com a situação em que estamos vivendo, acredito que nem é o caso de ser a favor ou contra. É uma questão de necessidade. Mas permanentemente sou contra. Na situação atual sei que é necessária, porque em alguns Estados, como no Espírito Santo e quase acontecendo no Rio de Janeiro, a polícia militar não quer fazer esse trabalho, os carcereiros não podem nem usar arma.

JD - Como está a situação dos presídios de Mato Grosso do Sul?

Ruy Celso Florence - Nós estamos aqui com uma carência de quase 50% de vagas. Temos o dobro quase da capacidade de presos que existem nos presídios. Isso é um caos. Se nós compararmos Mato Grosso do Sul com outros Estados está bom, porque é melhor que muito Estado, mas temos muitos problemas, como presos que não deveriam cumprir penas juntos. O que temos aqui são bons juízes, que controlam bastante a situação, são rápidos. Porque uma coisa que irrita preso é atrasar um direito deles. Por exemplo, um preso tem direito à progressão de pena, se você não o atender na época certa, aquilo contamina... Como eles convivem muito perto um do outro, a relação entre eles acaba sendo de irmãos, então todos ficam muito chateados por esse único que não conseguiu o direito. Mas como os juízes de execução penal têm sido ágeis nessas questões, não estamos tendo muitos problemas. O semiaberto nosso também é bem estruturado. E hoje temos um número de presos provisórios menor do que o resto do país, mas já fomos campeões nesse quesito. Conseguimos reduzir nos últimos dez anos, mas estamos no limite.

JD - As grandes quadrilhas do crime substituíram o Estado no comando dos presídios. Isso tem solução?

Ruy Celso Florence - Isso é difícil. É uma questão sociológica. Depois que uma coisa se organiza é difícil conseguir desestruturar. As pessoas reclamam de determinadas organizações, como o Movimento dos Sem Terra, mas foi um grupo que deixaram que se organizasse. Se tivessem atendido as reivindicações deles lá por volta 1968, isso não avançaria. Vemos isso agora com a questão indígena, que não se resolve. As pessoas vão ficando cada vez mais revoltadas e se organizando. As  organizações dentro dos presídios aconteceram por isso, prenderam presos políticos com presos comuns e eles foram aprendendo a se ajudar e essa insatisfação fez com que eles se organizassem, para garantir seus direitos lá dentro.

JD - O senhor pretende ouvir os presos então?

Ruy Celso Florence - Sim. Você só resolve essas organizações participando dela. Não posso pensar “são bandidos, não posso conversar com eles”. Se eu não ouvir, não participar, não vou poder mudar nada. É necessário que haja diálogo. Até porque essas pessoas vão sair lá de dentro do presídio um dia. Não existe prisão perpétua aqui no Brasil. 

 

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