Na semana de comemoração ao dia Internacional da Mulher o JD1 Notícias preparou uma série de entrevistas para mostrar a realidade das mulheres em Mato Grosso do Sul em diversas áreas. A série “mulheres de poder” mostrará os desafios, conquistas e o empoderamento das mulheres sul-mato-grossenses.
Abrindo a série temos uma entrevista com a delegada Titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Ariene Nazareth Murad de Souza Cury, que fala um pouco a respeito do número de casos de violência contra a mulher no Estado e da reação das mulheres que a cada dia que passa toleram menos a agressão e denunciam mais.
Ariene aponta que os registros de agressão física contra a mulher têm caído, enquanto que os registros de violência contra a honra têm aumentado. Ela acredita que isso acontece porque as mulheres hoje estão mais conscientes dos seus direitos e menos tolerantes a qualquer tipo de violência. Além disso, ela comenta que violência doméstica não tem classe, mas vê que mulheres com menor grau de instrução têm mais dificuldade em denunciar, por isso defende cada vez mais políticas públicas de conscientização e divulgação da Lei Maria da Penha. Confira:
JD1 - Com relação aos índices nacionais, como Mato Grosso do Sul é avaliado no que tange à violência contra a mulher?
Ariene Murad - Eu não sei ao certo qual a posição que MS ocupa no ranking nacional, mas percebo um número bem alto. Isso porque a mulher está tendo mais informação e mais coragem em denunciar. Fazemos em média 600 registros de violência por mês, que dá uma médica de 20 registros por dia, e 50 flagrantes por mês. Uma coisa interessante é que esses agressores são presos no mesmo dia da ocorrência. Além disso, é importante ressaltar a eficácia das medidas protetivas aqui na Casa da Mulher Brasileira. Aqui, nós temos o Ministério Público também, então as medidas têm saído relativamente rápido, demorando em média 48 horas. Essa rapidez se dá por conta da integração entre a polícia, o Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público. É importante que se mantenha essa integração porque os resultados são bastante satisfatórios. Também acho que vale falar que percebemos um decréscimo nos crimes de lesão corporal, agressão física contra a mulher, e um aumento de registro dos crimes de ameaça e injúria, que são contra a honra, violência moral e psicológica. Com isso, percebemos que as mulheres não estão tolerando mais o mínimo de agressão. Não está chegando tanto na lesão corporal. Ao menor sinal de violência, as mulheres já procuram registro da ocorrência. Eu acredito que o aumento no número de registros se deve realmente à quebra de silêncio da vítima, que não tolera o menor sinal de violência e essa intolerância da vítima fica claramente demonstrada pelo aumento dos registros de crimes contra a honra e ameaças e uma diminuição nos registros de crimes de lesão corporal. Ainda existem muitas mulheres que permanecem em silêncio. Observando algumas pesquisas em âmbito nacional, em casos de violência sexual, apenas 30% das mulheres procuram a delegacia. Eu acredito que a divulgação do trabalho da Casa da Mulher Brasileira tem feito com que o número de registros aumente e aí vemos a diferença de quase 1.100 boletins de ocorrência a mais em 2016 se comparado com 2015. Então eu creio sim que a quebra do silêncio, a divulgação do trabalho feito aqui tem feito com que a mulher acredite na Justiça.
JD1 - Quais os principais fatores que influenciam a violência doméstica?
Ariene Murad - Ainda hoje percebemos os resquícios daquela sociedade patriarcal, do homem que vê a mulher como objeto e acha que possui aquela mulher e em razão disso ela não pode romper esse relacionamento. A maioria dos crimes, inclusive os feminicídios, são decorrentes do ciúme desse sentimento de posse, de propriedade que o homem sente em relação à mulher.
JD1 - É possível traçar um perfil do agressor?
Ariene Murad - Eu fiz esse levantamento mais especificamente com os delitos de estupro. A maior parte das vítimas da Delegacia da Mulher - e não estou dizendo da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, nossas vítimas são acima de 18 anos - em casos de crimes sexuais são entre 20 e 29 anos. Dos 1.400 crimes sexuais registrados em 2016, a maioria é de criança é de adolescente e no âmbito da Delegacia da Mulher, o maior percentual é entre 20 e 29 anos. Percebemos por esses números que dos 1.400, 700 são de crianças e adolescentes.
JD1 - Hoje, com a Casa da Mulher da Brasileira, quais os cuidados que uma mulher vítima de violência recebe?
Ariene Murad - A vítima chega. Existe um setor de acolhimento e triagem, são as nossas recepcionistas, que vão cadastrar essa mulher, vão ouvir o que ela tem a dizer para encaminhá-la ao setor mais adequado da Casa. Ela passa pelo setor psicossocial e vai ter atendimento com uma psicóloga e uma assistente social para narrar o que está acontecendo com ela, ela responde um questionário de análise de risco e nós da Polícia como a juíza podemos analisar a situação de risco em que se encontra essa mulher, qual o melhor serviço naquele momento, se é melhor mantê-la acolhida aqui ou encaminhá-la para a Casa Abrigo. Do setor psicológico ela vem para a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher para registrar o boletim de ocorrência. Nós fazemos toda essa parte criminal da investigação do crime, relatamos esse procedimento e encaminhamos para o Ministério Público. A juíza da terceira vara atende todos os crimes de flagrante que chegam aqui e são lavrados pela Deam e faz a análise das medidas protetivas e das representações que fazemos aqui, como prisão preventiva, quebra de sigilo, busca e apreensão. E o Ministério Público, que também está aqui na Casa, faz os pareceres, o acompanhamento dessa mulher, e a Defensoria Pública, que faz a parte cível. Essa mulher já pode querer entrar com uma ação de alimentos, separação... Aí a Defensoria já presta toda essa assistência à vítima. E temos também o alojamento de passagem, onde essa mulher pode ficar acolhida por até 48 horas.
JD1 - Há impunidade quando o assunto é violência contra a mulher?
Ariene Murad - O que me deixa muito satisfeita trabalhando aqui é perceber o quão eficaz tem sido a Lei Maria da Penha na prisão desses autores.
JD1 - Qual seu sentimento nesses casos?
Ariene Murad - Sentimos a satisfação de ver o resultado do seu trabalho ali no afastamento daquele agressor, no rompimento desse ciclo de violência. Porque muitas vezes a mulher passa por aqui mais de uma vez, porque ela volta com esse agressor. Então quando percebemos que a mulher conseguiu romper esse ciclo, é muito satisfatório, porque infelizmente em pelo século 21 ainda vemos esse resquício de sociedade patriarcal e o que eu sempre digo é que só a educação que vai transformar. Enquanto não ensinarmos esse homem o significado do “não”, do “basta”, do “respeita o meu corpo”, do “aqui é o limite”, só o rigor penal não vai conseguir transformar. A Lei Maria da Pena em si não vai transformar a cultura de uma sociedade. É preciso trabalhar desde aquele menino. Claro que vimos modificações com a Lei Maria da Penha, mas é preciso que sociedade passe a respeitar a mulher como um ser humano com direitos.
JD1 - Existe dificuldade de punir classes diferentes?
Ariene Murad - Não. E aqui nós vemos que violência contra a mulher não tem classe. O que nós percebemos é que há grande influência de bebida alcoólica nos casos, mas classe social, não.
JD1 - Existe dificuldade da mulher se sentir apta a denunciar na medida em que aumenta ou diminui o poder aquisitivo?
Ariene Murad - Nós às vezes percebemos que o grau de instrução é influenciado pelo poder aquisitivo. Percebemos que quanto maior o grau de instrução, maior facilidade essa mulher tem de vir denunciar. Eu acredito que às vezes, por desconhecimento do alcance da lei, dos efeitos práticos dessa lei, a mulher acaba não denunciando. A falta de instrução é nesse sentido, de não conhecer o rigor da lei, o trabalho que a Casa da Mulher Brasileira vem desenvolvendo. Além disso, muitas vezes essa mulher depende do marido, então até para denunciar, para sair de casa, ela pensa duas vezes, porque ela tem medo de que falte pão para o filho, que falte o mínimo básico para ela sobreviver. Aí entram os trabalhos da própria prefeitura para encaminhar essa mulher para o mercado de trabalho. Faz parte do projeto da Casa da Mulher Brasileira conseguir reinserir essa mulher no mercado de trabalho.
JD1 - O que se pode fazer para que a essa vítima com menos instrução busque a Deam?
Ariene Murad - Isso depende da implementação e políticas públicas e divulgação de programas que são feitos principalmente pela Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres. O importante é mostrar para essa mulher que ela consegue sair do ciclo da violência. Isso é só com divulgação. É preciso que essa mulher saiba que existe a Casa da Mulher Brasileira, que existe uma Casa Abrigo onde ela pode ficar longe do agressor, existe um alojamento aqui na Casa da Mulher Brasileira, existem programas que conseguem reinserir essa mulher no mercado de trabalho. Então é com a divulgação, com esse conhecimento que ela vai ter coragem de vir aqui. Também é importante ressaltar que existe um centro especializado de atendimento à mulher, no âmbito estadual, que faz o acompanhamento pós registro da ocorrência. Aqui nós registramos a ocorrência e encaminhamos essa mulher para ter esse apoio psicológico contínuo, que vai garantir que ela não volte depois com a violência.
JD1 - Com as políticas de proteção à mulher, a senhora nota que hoje ela se sente mais segura em denunciar o agressor?
Ariene Murad - Sim, muito mais. Além da Casa da Mulher Brasileira, nós temos o Disque 180 e essa denúncia pode ser feita de forma anônima. E é importante dizer para a sociedade que segurança pública não é só um direito de todos, mas um dever de todos. Se você sabe que sua vizinha está sofrendo violência doméstica, mas não quer aparecer, disque 180, tem a ouvidoria da Polícia Civil que também recebe denúncias e está à disposição. Temos ainda o site da Polícia Civil, em que é possível fazer a denúncia virtual. Qualquer delegacia do Estado está apta a receber uma denúncia de violência. Então com certeza está muito mais fácil.
JD1 - Ainda são poucas as mulheres com cargos de autoridade em órgãos públicos. Isso impacta nos índices de agressão?
Ariene Murad - Muitas vezes o homem naquele sentimento machista, não aceita que a mulher galgue um posto de trabalho maior do que o dele e isso comece a gerar ciúme. Acredito, sim, que para aquele homem que pense que a mulher é inferior, com certeza isso influencia, sim.
JD1 - Qual a melhor forma de prevenir a violência doméstica?
Ariene Murad - Com relação àquele que já é agressor, eu acredito que políticas públicas que criassem um acompanhamento psicológico a longo prazo desse agressor seria uma medida preventiva para ele não reincidir no crime. Porque o que percebemos aqui é que a maioria é reincidente de violência doméstica. Se não for com a mesma mulher já foi com a anterior. Então o acompanhamento para esse agressor seria importante. Também é importante promover campanhas de divulgação da Lei Maria da Penha e a mudança cultural. Talvez fosse interessante inserir na escola um programa sobre violência doméstica, desde a educação infantil.
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