Logo após o julgamento do “mensalão”, poderá entrar em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) um processo polêmico que, segundo especialistas, vai representar, se aprovado, um aumento significativo — em torno de 400% — nos gastos de quem financia um veículo. O relator do processo é o ministro Marco Aurélio Mello.
O Partido da República (PR) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4333 questionando artigos do Novo Código Civil e da Constituição Federal. Esses artigos estabeleceram que “para o aperfeiçoamento dos contratos de alienação fiduciária de veículo automotor, basta a anotação pela repartição de trânsito competente, no certificado de registro que lhe incumbe emitir.”
Ou seja, há dez anos, segundo a legislação, a alienação fiduciária — modalidade de financiamento em que o comprador fica impedido de negociar o bem antes da quitação da dívida, mas pode usufruir dele — pode ser registrada apenas pelo Detran no momento do emplacamento do veículo.
Custo mais alto e maior tempo de espera
Os autores da ação, entretanto, argumentam que as normas atuais “afrontam o artigo 236 da Constituição Federal, que dispõe que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.”
No entanto, especialistas em direito civil e tributário afirmam que, caso entre em vigor a nova regra, o consumidor terá de arcar com um custo de cartório de aproximadamente R$ 500, enquanto o registro no Detran o valor fica em torno de R$ 100 — um aumento de 400%. Além disso, a operação realizada no cartório demoraria cerca de 15 dias enquanto pelo Detran a documentação seria entregue em 48 horas.
Ameaça de retrocesso
Na avaliação de Júlio Avellar, superintendente da Central de Proteção ao Seguro da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais (CNseg), a proposta representa um retrocesso ao obrigar que os consumidores registrem toda a documentação em cartório. No Rio, a entidade atua junto com o Detran na liberação dos registros de veículos.
— Essa proposta confronta o moderno com o medieval. Até compreendo que em contrato de imóveis seja necessário o registro em cartório, porque podem ser feitas alterações. No caso dos veículos, porém, o financiamento é algo trivial, o contrato não sofre mudanças. O pior é que os consumidores, em sua maioria, não sabem do que está acontecendo, o assunto está passando despercebido. A aprovação dessa ação será um tiro no pé do governo e da sociedade. Afinal, o financiamento é importante para manter o mercado automotivo aquecido — afirma.
O advogado José Alfredo Lion considera que a eventual aprovação da Adin nº 4333 pelo STF trará um “péssimo resultado” para o consumidor.
— Essa ação só beneficia os cartórios. O consumidor terá ônus sem receber nada em troca. Mais uma vez, estará pagando o custo de algo que só interessa a terceiros. E ele tem o direito assegurado de não querer fazer esse registro em cartório — diz Lion, que é especialista em direito civil e tributário.
A Advocacia Geral da União (AGU) já se manifestou nos autos do processo pela constitucionalidade dos artigos questionados pelo autor da Adin. E entende que o registro da forma como é feita atualmente, “tem por escopo, conferir ampla publicidade e eficácia contra todos, evitando prejuízos a terceiros de boa-fé e ainda desonera o contrato, diminuindo, em consequência, o custo do devedor fiduciante.”
Via Estadão
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