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Opinião

“O juiz deve ser magnânimo”

17 julho 2018 - 08h02Juiz Fábio Salamene

Semana passada nos deixou Romero, o Desembargador Romero Osme Dias Lopes. Falar sobre sua trajetória em nosso plano material, ainda que sinteticamente, é tarefa exigente pela complexidade que sua personalidade encerra.

Romero possui ínsitos ao seu caráter os dons da solidariedade amorosa, da compaixão sem pieguice, da generosidade discreta, da irresignação autêntica e do ímpeto responsável, porém enérgico. As testemunhas de sua existência, havendo haurido sua essência, hão de replicá-la em alguma medida.

Amante da vida e da natureza, passa, franciscanamente, inúmeras horas de seu descanso contemplando as árvores que plantou e a presença do pássaros que sutilmente convida, criando para estes ambiente hóspito e acolhedor no quintal de sua casa. Sua sensibilidade lhe permite saborear o pôr do sol, a brisa do vento, o bouquet das flores e a beleza das constelações.

Parte de geração priviliegiada pela lucidez e boa educação familiar, possui formação intelectual admirável. Aliás, essa é ímpar, singularíssima e onde se abeberam aqueles que desfrutam de sua companhia e sabem ouvi-lo.

Nos diálogos sobre cinema se concretiza o lúdico e a fantasia, sobre mitologia se realizam as imagens arquetípicas dos aspectos humanos básicos, como as paixões, a psicologia, os costumes, as relações familiares, os vínculos sociais e as aspirações políticas, sobre música se melodiza a vida.

Música… ah… aí sim sua sensibilidade se derrama como benção cheia de amor. Amigo querido, “Se todos fossem Iguais a você Que maravilha viver”.

Filho amabilíssimo, sempre emocionado ao falar de seus pais, conta faceiro as peripécias que aprontou com seu pai e lembra da mãe com ternura profunda. Hoje ela certamente pode abraçá-lo e dizer: “Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega.”

O amor pela família é comovente e à sua amada Cristina é bom que se diga: “Não se afobe, não - Que nada é pra já - O amor não tem pressa - Ele pode esperar em silêncio - Num fundo de armário - Na posta-restante - Milênios, milênios no ar.”

Nosso guerrilheiro do bem. De calça jeans desbotada, camisa amarrotada, às vezes aparentemente transgressor de alguns obsoletos e despropositados costumes, como sói acontecer com pessoas de aguçado senso crítico, diante da ignobilidade de determinados comportamentos humanos, gosta de dizer que “o mundo acabou” fazendo eclodir os debates, provocando o contraponto e fomentando a dialética.

Faceta tocante de Romero é a de amigo incondicional, pois sua existência corporificou a mais pura, genuína, límpida e impoluta amizade. Sua dedicação aos amigos e sua preocupação com esses é diária e manifesta, ciente de que não basta sermos amados, mas também de que precisamos saber que somos amados.

Seus amigos e filhos podem dizer que, durante parte substancial de suas existências, não houve um dia em que faltasse em suas casas a presença física, espiritual e os fartos exemplos de bondade e correção.

Justifica os amores, de todos os gêneros, citando filósofo Michel de Montaigne que para explicar a intensa amizade que tinha com Ettiene de La Boétie dizia “Se pressionado a dizer por que eu o amava, sinto que isso não pode ser expresso. Exceto dizendo: porque era ele; porque era eu”.

Assim é o Romero, simples e ao mesmo tempo profundo.

Romero, “meu caro amigo, eu não pretendo provocar - Nem atiçar suas saudades - Mas acontece  que não posso me furtar - A lhe contar as novidades - Aqui na terra tão jogando futebol - Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll - Uns dias chove, noutros dias bate o sol - Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta.”

Magistrado há 38 anos, tem trajetória profissional irretocável, pura, cândida, honrosa, competente, corajosa, inovadora, atenta à sua função social, equidistante das partes, respeitosa a seus colegas, exigente e afável com seus subordinados e, sobretudo, com os olhos também voltados às parcelas excluídas da sociedade, amparando todo cidadão que bate às portas do judiciário.

Juiz preocupado com a Carta Política do Brasil e com as relativizações de princípios garantistas, independentemente de qualquer viés político ideológico. Amante da democracia, que nunca admitiu indolência, sempre mais exigindo daqueles que desfrutam de privilégios incomuns a grande parcela da população.

Muitas vezes se ouviu do Desembargador Romero, inconformado com a sanha punitivista, com a seletividade das acusações e punições e com os casuísmos jurisprudenciais, que o juiz deve ser magnânimo, bondoso, rigoroso, mas compreensivo as vicissitudes e falibilidades humanas, garantidor dos direitos legais e constitucionais dos cidadãos.

Por seu exemplo mostra a necessidade de trabalhar com amor e respeito, especialmente não olvidando o sacrifício imposto aos indivíduos em benefício do Estado e o zelo que se impõe aos súditos devotar a este. Jamais, em hipótese nenhuma, se beneficia pessoalmente do prestígio de seu cargo, mas, pelo contrário, se engaja em debates às vezes desgastantes na defesa dos ideais humanitários. Sustenta a responsabilização rigorosa dos agentes públicos, nunca tolera o desprestígio às instituições e à liberdade de imprensa.

Romero, nós nos recusamos a falar sobre você no pretérito, porque você vive, por sua história e exemplos, em todos nós que o conhecemos.

Não é cedo para dizer que “a saudade dói como um barco, que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais.” Até mais...

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