Nos últimos meses, notícias de turistas mordidos por peixes em Bonito (Mato Grosso do Sul) chamaram a atenção da mídia e acenderam o alerta nas redes sociais. O hospital local identificou um aumento nos atendimentos, com 16 casos entre janeiro e março deste ano só na Praia da Figueira — alguns exigindo suturas e até mesmo a necessidade de amputação. Diante da gravidade, é essencial ir além do sensacionalismo e entender, com a lente da ciência, o que realmente está acontecendo debaixo d’água.
“Spoiler”: não, os peixes não estão se rebelando nem são vilões
Mas o contexto desses acidentes é bem mais complexo — e curioso — do que parece. Quem são os "culpados"? Pacu ou tambaqui, não importa, eles são figurões fora de casa.
Os prováveis protagonistas desses encontros nada amistosos pertencem à família Serrasalmidae, a mesma das piranhas, mas com um currículo diferente: pacus (Piaractus mesopotamicus) e tambaquis (Colossoma macropomum). O tambaqui é natural da bacia Amazônica, enquanto o pacu é pantaneiro de nascença, habitante legítimo dos rios do sistema Paraguai.
Mas aí vem o detalhe importante: Bonito se localiza na Bacia do Alto Paraguai, mas em um planalto do entorno do Pantanal. Ou seja, não é o hábitat natural de nenhum dos dois peixes. Pacus não conseguem vencer cachoeiras e barreiras naturais, ficando restritos às regiões de planície, e tambaquis nem sequer são da região. Sua presença em lagoas artificiais como a da Praia da Figueira se deve à soltura intencional — prática ilegal, considerada crime ambiental por lei. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) segue investigando o caso e deve, ainda, propor ações de manejo ambiental em parceria com o Ministério Público Estadual (MPE-MS).
Resumindo: esses peixes estão, literalmente, fora da d’água. Ou melhor, fora do lugar certo da água.
Mordida de peixe não é vingança da natureza
Agora, vamos à pergunta que não quer calar: por que os peixes estão mordendo as pessoas?
A resposta passa pela soma de vários fatores, dentre eles, a dentição. Tanto pacus quanto tambaquis têm dentes muito robustos, “molariformes” — largos e achatados, parecidos com os nossos — capazes de esmagar frutos e sementes duros, como castanhas ou coquinhos. Um verdadeiro triturador aquático. Imagine, então, o que acontece quando um peixe desses, condicionado a receber ração — leia-se: comida fácil — vê um dedão “boiando distraidamente” na água?
Esses animais, em muitos casos oriundos da aquicultura, foram criados à base de ração. Perderam o medo natural de humanos e aprenderam: gente = comida. A combinação de peixes grandes, dentes potentes e expectativa alimentar é a receita para mordidas acidentais.
Na Praia da Figueira, onde o bar molhado e os turistas dividiam espaço com os peixes, o ditado popular se materializou: juntou a fome com a vontade de comer.
Ataques ou acidentes? A diferença faz toda a diferença
Importante diferenciar: isso não são "ataques" predatórios como se vê em filmes B, em que tubarões ou jacarés famintos atacam banhistas. Estamos falando de peixes onívoros (que comem de tudo) confundindo partes do corpo com bolinhas de ração. Ou seja, se trata de acidentes, não de emboscadas.
O que temos é uma situação construída, artificial, por interferência humana: introdução de espécies exóticas, alimentação imprópria e convivência “forçada” entre animais e banhistas. E aqui, a ciência levanta a mão: precisamos investigar a fundo, com dados objetivos e bom senso, para propor soluções e prevenir novos problemas.
Prevenir é melhor do que suturar
Após os casos, o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) interditou temporariamente a lagoa artificial. O atrativo instalou barreiras físicas para separar os peixes dos visitantes. É um passo importante, mas que deveria ter sido antecedido por outro: o respeito aos visitantes, aos ecossistemas naturais e à legislação ambiental.
Bonito é um símbolo do ecoturismo brasileiro, conhecido mundialmente pelas águas cristalinas, rica biodiversidade e boas práticas de visitação. Mas até mesmo os paraísos naturais precisam de vigilância e conhecimento. Soltar peixes fora de seu ambiente não é “refaunação”: é risco ecológico ilegal.
A região de Bonito abriga um verdadeiro tesouro da biodiversidade, explorado por aproximadamente 70 atrativos, a maioria em ambientes aquáticos naturais. Vale destacar que os problemas das mordidas se concentraram em um local.
Ciência, conservação e comunicação: o trio que evita mordidas (e manchetes)
Esse episódio reforça o papel da ciência na explicação dos fenômenos naturais e, mais ainda, na formulação de políticas públicas e práticas turísticas sustentáveis. Comunicação bem feita, com informação clara, evita o pânico e ajuda a preservar a imagem de Bonito como destino de turismo responsável.
E sim, peixe morde. Mas só quando o ser humano, mais uma vez, insiste em colocar o “anzol” onde não deve.
Dicas para evitar problemas com os peixes
1.Respeite o espaço dos peixes.
2. Não toque ou persiga os animais.
3. Siga as regras dos passeios.
4. Obedeças às orientações dos guias locais, que conhecem o comportamento da fauna e orientam sobre áreas e atitudes seguras.
5. Use calçado aquático, que protege os pés das pedras no fundo dos rios.
6. Não alimente os peixes: isso altera seu comportamento natural e pode atraí-los de forma inadequada.
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