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Opinião - O retorno das Leis de Nuremberg

O que parecia ser coisa do passado ressurge agora com a deplorável fala de José Genoino ao propor o boicote à empresas de judeus

24 janeiro 2024 - 08h25Alberto Zacharias Toron e Fabio Tofic Simantob    atualizado em 24/01/2024 às 09h01

O ex-presidente do Partido dos Trabalhadores José Genoino sugeriu um boicote a empresas comandadas por judeus ou vinculadas ao Estado de Israel. A fala ocorreu no sábado, dia 20, durante uma transmissão do Diário do Centro do Mundo (DCM), e foi noticiada pelo Estadão (22/1, A9). “Essa ideia de rejeição, essa ideia do boicote por motivos políticos, que fere o interesse econômico, é uma forma interessante. Inclusive ter esse boicote a determinadas empresas de judeus.”

Genoino não está sozinho! Em 1935, o regime nazista aprovou um bloco de leis que ficou conhecido como Leis de Nuremberg, nas quais colocava em prática as teorias raciais defendidas pelo Terceiro Reich. Nelas, os nazistas definiam quem deveria ser considerado judeu, e criava uma série de restrições sociais a esse grupo étnico-religioso. Além de proibir casamentos inter-religiosos e a frequência a universidades públicas, os judeus foram proibidos de entrar nos cinemas, teatros e locais públicos. Em várias cidades os judeus eram proibidos de entrar em zonas classificadas como “arianas”. Não comprar em lojas de proprietários judeus veio no embalo dessas leis. Seus negócios eram estigmatizados com a colocação da estrela de Davi.

Daí à “Noite dos Cristais” (Kristallnacht), também conhecida como noite dos vidros quebrados, em 1938, foi um passo. Um passo tenebroso, onde sinagogas e negócios de judeus foram destruídos.

O que parecia ser coisa do passado ressurge agora com a deplorável fala de José Genoino ao propor o boicote a empresas de judeus; sim, ele usou a expressão “empresas de judeus”. Depois tentou corrigir para dizer empresas ligadas ao governo de Israel. Mas o estrago já estava feito. “Empresas de judeus” foi o que a sua fala espontânea revelou acerca do que verdadeiramente pensa.

É inacreditável que um homem que no passado se dispôs a combater a ditadura pegando em armas, e mais que isso, para supostamente construir uma sociedade mais justa e igualitária, venha a externar tamanho preconceito antissemita.

Por tudo o que ocorreu entre 1939 e 1945, durante a guerra, e sobretudo entre 1943 e 1945, quando se adota a solução final, com um extermínio ao todo de 6 milhões de judeus, é sempre necessário investigar a gênese de tamanho ódio aos judeus. Essa origem está exatamente nas leis segregacionistas que afastaram os judeus do convívio social e os demonizaram.

A memória do Holocausto não deve ser banalizada, mas é necessária para impedir e repudiar manifestações que agridam o sentimento de pertencimento e a própria dignidade humana. É difícil não crer que o antissemitismo não voltou a rondar a nossa porta quando vemos alguns dos seus sintomas mais clássicos surgindo em manifestações de líderes políticos brasileiros.

E não se trata aqui de confundir antissionismo com antissemitismo. Apenas mentes tacanhas e rasas enxergariam antissemitismo em críticas, ainda que duríssimas, ao Estado de Israel ou a seu governo.

Não! Estamos falando de antissemitismo clássico, aquele preconceito arraigado na sociedade de que o judeu é sempre um estrangeiro, um apátrida, o judeu internacional de Henry Ford, ou dos Protocolos dos Sábios de Sião, que conspira para dominar o mundo, com seu poder e dinheiro infinitos. A clássica acusação de dupla lealdade que tanto pesou injustamente sobre Alfred Dreyfus. A afirmação de José Genoino remete a isso.

Até mesmo pelo Código Penal soviético promulgado logo após a revolução de outubro de 1917 Genoino estaria incurso no crime de excitação ao ódio nacional ou religioso. Afinal, o próprio Lenin, cujo centenário da morte se comemora neste mês, era um ardoroso inimigo do antissemitismo, considerado produto do czarismo que lutou para derrubar.

Evidentemente ninguém acredita que o ex-deputado federal Genoino queira ver judeus enfileirados caminhando rumo a uma câmara de gás, ou tampouco sendo vítimas de violência nas ruas. Isso, porém, não é suficiente para que sua infeliz manifestação deixe de excitar o ódio a judeus na opinião pública, criando um clima de insegurança na comunidade de judeus brasileiros, que é plural (muitos, inclusive, são celebrados militantes petistas, como Jaques Wagner e Clara Ant) e heterogênea na forma como entende o conflito entre palestinos e Israel.

Aliás, a maioria do conteúdo historiográfico que o mundo utiliza para denunciar abusos do governo de Israel foi produzida por pesquisadores de universidades israelenses, sem falar no conteúdo cultural que circula o mundo denunciando a situação dramática da ocupação em filmes de cineastas como Amos Gitai. Até mesmo em Israel é bastante diversificada a posição da população acerca dos excessos do atual governo de Benjamin Netanyahu. Basta lembrar a quantidade de manifestações contra o primeiro-ministro que ocorreram nas ruas das principais cidades do país, especialmente contra a reforma do Judiciário que o mandatário queria implantar.

É de se imaginar que não seria o caso de se referir a eles como os “bons judeus”, ou, ainda, que se repita a velha máxima “eu, racista? Jamais. Tenho um monte de amigos negros”, ou “não tenho nada contra gays, tenho vários amigos que são”. O letramento woke que a esquerda tanto esforço faz para tentar implementar na sociedade brasileira não permite isso como desculpa, ou imunidade para pronunciamentos desse naipe. Ou será, para repetir David Baddiel, que “judeus não contam”?

*Por Estadão Conteúdo 

 

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