Vivemos em um mundo hiperconectado. Com informação de qualidade acessível, seria natural imaginar que a ignorância estivesse em declínio. Infelizmente, não é isso que acontece. Parece que a ignorância está mais presente do que nunca. E, paradoxalmente, os agentes da desinformação e do negacionismo ganham cada vez mais espaço, justamente por meio das ferramentas criadas pela ciência.
Apesar da abundância de informações disponíveis na tela do celular, cresce o número de pessoas que rejeitam o conhecimento construído ao longo de séculos. Informação de qualidade não é suficiente quando as crenças pré-fabricadas predominam. Muitas vezes, o que importa não são os fatos, mas a adesão emocional a certas narrativas — mesmo que absurdas. Ideias como a Terra plana, antivacinas, a negação da evolução, ou a pseudociência dos cristais "curativos" se espalham e ganham audiência, alimentadas por teorias conspiratórias e pelo funcionamento dissimulado das redes sociais. Esses discursos se fortalecem por meio de boatos, conspirações e pela falta de visão crítica.
Por que isso é tão grave? Porque, muitas vezes, as pessoas rejeitam o conhecimento científico justamente quando mais precisam dele. Não se trata apenas de acreditar ou não em uma teoria, mas de colocar vidas em risco. Um exemplo recente foi a resistência às vacinas contra a COVID-19, alimentada por boatos e desinformação. Recusar uma vacina por boatos sobre autismo, por exemplo, não é uma decisão individual: é uma escolha que pode afetar toda a sociedade.
E o mais triste é que isso não é só ignorância, mas o sintoma de um problema mais profundo: a perda de confiança na ciência e nas instituições que sustentam o progresso da civilização. Muitas pessoas que negam os avanços científicos, no entanto, usam diariamente seus benefícios — GPS, antibióticos, exames de imagem, drones, internet — tudo graças ao método científico. A ciência não é perfeita, e seus instrumentos estão sempre em aprimoramento. Falhas e contradições fazem parte do processo. A física que permite radioterapia também é a base das armas nucleares. A diferença está no uso; o método científico, por sua vez, continua sendo a ferramenta mais sólida que temos para entender o mundo, propor soluções e melhorar vidas.
Educação Científica como estratégia de soberania
E aqui entra a importância da educação científica. Quanto mais as pessoas entenderem como funciona o método científico — baseado em evidências, testes e revisões — mais vão distinguir o que é fato do que é ficção. No Brasil, uma pesquisa do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) revelou uma contradição: 61% dos brasileiros dizem ter interesse por ciência, mas 94% não sabem citar o nome de um cientista nacional, e menos de 1% compreende como o método funciona. Essa lacuna precisa ser preenchida com mais investimento em educação, comunicação acessível e valorização dos cientistas.
Valorizar a ciência não é um luxo intelectual. É uma necessidade estratégica. Nenhum país se desenvolveu — ou manteve sua soberania — sem investimentos robustos e consistentes em ciência, tecnologia e inovação. O Brasil tem potencial para isso, com avanços em biodiversidade, tecnologia e exploração de recursos naturais, mas ainda precisa lutar contra cortes, desvalorização e até a desconfiança que alguns setores têm da própria ciência. É preciso que cientistas, professores, comunicadores e tomadores de decisão (leia-se, políticos) se envolvam, reconhecendo que a valorização da ciência é um dos fundamentos para o desenvolvimento nacional.
No final das contas, rejeitar o conhecimento é como renunciar ao que nos torna humanos de verdade: a capacidade de pensar, questionar e aprimorar processos. Flertar com o obscurantismo — com as trevas — é um risco enorme, e precisamos estar atentos. A saída é fortalecer a cultura do conhecimento, valorizar quem investe nisso, e fazer com que todo mundo entenda que a ciência é nossa maior aliada na construção de um futuro mais justo, sustentável e inteligente.
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