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Brasil

Após 20 anos, os culpados da Chacina da Candelária estão livres

22 julho 2013 - 11h03Via O Globo
Quando nesta terça-feira (23) o relógio marcar 23h43m, a execução de oito moradores de rua — entre eles uma criança de 11 anos e cinco adolescentes — nas cercanias de uma das mais imponentes igrejas do Rio terá completado 20 anos. A investigação da Chacina da Candelária, como o crime ficou conhecido mundo afora, levou três PMs a serem condenados. Duas décadas depois, pivô da série de assassinatos, o soldado Marcus Vinícius Emmanuel Borges, de 46 anos, está foragido. Os outros dois PMs tiveram as penas extintas e também se encontram em liberdade.

Desde 1996, Borges foi julgado e condenado por três vezes. A primeira sentença que recebeu foi de 309 anos de prisão. A defesa recorreu, e o Tribunal do Júri reduziu o tempo de detenção para 89 anos. Insatisfeitos, promotores apresentaram um recurso, e a pena do ex-PM acabou fixada em 300 anos. O policial passou 18 na cadeia — em junho do ano passado, foi beneficiado com um indulto e ganhou a liberdade. O Ministério Público estadual, então, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Após um ano, os ministros do órgão suspenderam o indulto. Com base na decisão, no último dia 10, a juíza Juliana Benevides de Barros, da Vara de Execuções Penais, expediu novo mandado de prisão para Borges, que até a última sexta-feira não havia sido encontrado. Hoje, é considerado foragido.

Desembargador critica indultos
A notícia surpreendeu o desembargador José Muiños Piñeiro Filho, que atuou como promotor no caso ao lado de Maurício Assayag, conseguindo a condenação dos três acusados: Marcus Borges, Marcos Aurélio Dias Alcântara e Nelson Oliveira dos Santos Cunha. Os dois últimos receberam penas superiores a 200 anos, mas também acabaram beneficiados por indultos. Atualmente na 2ª Câmara Criminal do TJ, Piñeiro considera injusta a libertação dos policiais:

— É lamentável que todos já estejam em liberdade, sobretudo Borges. É preciso que ele seja encontrado para cumprir o restante da pena. Apesar disso, não acredito em impunidade no caso da Candelária. Afinal, três policiais envolvidos nas mortes foram presos, expulsos da PM e condenados a penas superiores a 200 anos. O único acusado que não chegou a ser levado a júri foi Maurício da Conceição, morto em meio à investigação. Nossa lei não permite que um condenado permaneça em cárcere por mais de 30 anos, mas não acho justo que assassinos sentenciados a penas superiores a cem anos deixem a cadeia antes de cumprirem pelo menos as três décadas previstas na lei.

Borges era soldado da Companhia de Trânsito da PM e tinha 26 anos quando foi designado para trabalhar no cruzamento das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas. Na tarde de 23 de julho de 1993, ele apreendeu um adolescente que cheirava cola de sapateiro e o levou a uma delegacia. Como a substância não era considerada ilegal, um delegado liberou o jovem. De volta à rua, o adolescente passou a consumir cola e a debochar do policial, que partiu para cima do grupo. Na confusão, o soldado acabou ferido no pescoço ao ser atingido por um pedaço de vidro da janela da patrulha, estilhaçado a pedradas.

Ao retornar para casa, à noite, no Rio Comprido, Borges relatou o episódio ao irmão, também PM, e a um amigo, o ex-PM Maurício da Conceição, conhecido como Sexta-Feira Treze, chefe de um grupo de extermínio. Começava a se desenhar ali um dos episódios mais tristes da história da cidade. Alheios ao risco que corriam, os moradores de rua comemoravam o aniversário de um adolescente. Pouco após a confusão com Borges, a artista plástica Yvonne Bezerra de Mello chegou à Candelária levando bolo e refrigerantes para os jovens.

Testemunha foi morar na Europa
Estava frio, lembra a advogada Cristina Leonardo, que também fazia um trabalho social com os jovens. Ela filmou a comemoração daquela noite. Terminada a festinha, a maior parte dos cerca de 50 jovens já estava dormindo quando um Chevette parou perto da igreja. Os ocupantes procuravam Marcos Antônio Alves da Silva, o Russo, de 19 anos. Ele e Wagner de Oliveira, de 17, haviam jogado as pedras que estilhaçaram o vidro da patrulha. Russo e outros meninos estavam deitados, enrolados em cobertores, quando Borges e seus acompanhantes abriram fogo. Wagner havia sido pego antes, levado ao Aterro do Flamengo e baleado três vezes. Ele, contudo, sobreviveu, tornando-se testemunha-chave da chacina.

Após o episódio, Wagner reencontrou a irmã, Patrícia de Oliveira, que não via desde a infância. O jovem foi levado à Europa pela Anistia Internacional, após sofrer outro atentado, nos arredores da Central. Amanhã, quando o crime completar 20 anos, ele não estará entre os jovens que carregarão tochas do Leme, percorrendo a Avenida Princesa Isabel, onde foi instalado um palco da Jornada Mundial da Juventude, até a Paróquia Santa Teresinha do Menino Jesus, em Botafogo. Ali, por volta das 22h, será realizado um ato para lembrar os mortos da Candelária. Apesar de envolvida na organização do evento, Yvonne Bezerra também não estará presente por motivo de viagem.

Os organizadores do ato enviaram ao Vaticano uma carta na qual pedem ao Papa Francisco para lembrar a chacina durante sua visita à cidade. Segundo o padre Marco Lázaro, o ato em memória às vítimas começará após o arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, terminar a missa no palco do Leme, às 21h30m. Em seguida, oito jovens seguirão em direção à paróquia, ao lado do Shopping RioSul. A caminhada será marcada pelo toque de surdos e cânticos religiosos. Num telão em frente à igreja, serão exibidas imagens da festinha que aconteceu antes da chacina. Duas décadas após o crime, dois problemas relacionados à tragédia ainda marcam o dia a dia da cidade. Segundo a prefeitura, a população de rua atingiu 6.300 pessoas em 2012. Trata-se de uma alta de 31,25% em dois anos, causada principalmente por uso de drogas, brigas familiares e dívidas. E o desvio de conduta dentro de forças de segurança também apresenta uma estatística alarmante: de 2008 até o ano passado, 1.411 policiais civis e militares foram expulsos no Rio.

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Fapec Caarapo

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