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Coronavírus - Aspectos legais e emergenciais, como proceder

Advogado fala sobre impacto do coronavírus nas relações de trabalho

26 março 2020 - 09h47Pedro Henrique Di Giorgio Marzabal    atualizado em 26/03/2020 às 09h54

Estamos enfrentando um momento que não encontra precedentes na história recente da vida nacional. Ouso dizer que, na área trabalhista, os operadores do direito nunca tiveram um momento tão desafiador, forçando-os a repensar institutos e valores para melhor enfrentar a crise.

O quadro fático que estamos vivendo é de uma real possibilidade do maior número de empregadores do Brasil, que são as micro e pequenas empresa, simplesmente, virem a não suportar o período de isolamento social que se anuncia necessário; já se falam em 3 ou 4 meses.

Enfim, estamos naquela situação em que o Direito não pode ignorar a realidade, senão a realidade irá ignorar o direito. Nesse cenário, temos que pensar, em termos de urgência e emergência, em um Estado excepcional, em que algumas garantias que foram construídas com muita luta, terão que ser, inevitavelmente, deixadas um pouco de lado. É o momento de restringir alguns direitos fundamentais em prol da salvaguarda de outros. Não se podendo olvidar ainda que, independentemente de classe social, o mais importante de todos os direitos nesse momento é o direito à vida.

As interpretações têm que partir desse estágio de dificuldade. Temos que pensar em soluções que permitam que as empresas sobrevivam, e que os trabalhadores também. Não é da mais fácil tarefa, mas o que se deve buscar é uma solução em que as empresas possam passar por esse período de isolamento social, e retomar as suas atividades, e os empregados, nesse período em que vai haver pouco ou quase nenhum trabalho, também possam ter uma sobrevivência, minimamente, digna para num futuro próximo retomar o curso normal da vida.

Não restam mais dúvidas, portanto, que o momento exige reflexão, isto é de se “abrir a mente”, tendo em vista que alguns princípios terão que ser restringidos para a devida e máxima proteção do valor maior de todo ordenamento jurídico democrático, isto é, a dignidade da pessoa humana.

A Medida Provisória 927 de 22 de março de 2020, alterada pela edição da Medida Provisória 928, traz uma série de medidas possíveis de serem negociadas de forma individual, conferindo a empregado e empregador o poder de negociar diretamente, casuisticamente, alguns direitos trabalhistas.

Todavia, em uma análise geral, não se vislumbra pacote anunciando reais mudanças, na seara trabalhista, que tenham potencial de ajudar o empresariado nacional a atravessar esse momento difícil e, por outro lado, também tenham um olhar especial para a garantia de um sustento efetivo aos trabalhadores, como, por exemplo, a possibilidade de suspender o contrato de trabalho com o recebimento do benefício do seguro-desemprego no período correspondente, como já era tão esperado, ao menos pelos setores mais afetados, tais como turismo, restaurantes, bares, dentre outros, uma vez que esses setores, por ato dos próprios entes públicos, tiveram as suas atividades suspensas, em algumas cidades, inclusive, por prazo indeterminado.

Portanto, cabem às empresas adotarem medidas estratégicas, tendo por base as alternativas até então propostas pelo Governo Federal, visando ao equilíbrio entre economia e manutenção do emprego de seus colaboradores.

Entretanto, as alternativas propostas pelo Governo Federal para dar destino à força de trabalho dos empregados devem ser analisadas de acordo com o tipo de operação de cada empresa, observando-se a necessidade de mão-de-obra ativa enquanto perdurar o período de crise. Uma empresa de pequeno porte ou microempreendedor, que não tenha ferramentas para viabilizar o regime de teletrabalho, por exemplo, poderão se valer de outras possibilidades conferidas pela referida MP, a fim de melhor adequar seus respectivos contratos de trabalho, em um sentido amplo, à nova realidade nacional, tais como:

Férias individuais e coletivas:

Será permitida a antecipação das férias individuais que poderão ser concedidas, ainda que o período aquisitivo esteja em curso. A MP destaca também que aos empregados pertencentes aos grupos de riscos será dada prioridade no afastamento. Dentre outras exigências, o seu artigo 6º determina que as férias deverão ser comunicadas com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado, desde que esse não seja inferior a cinco dias corridos. A MP também prevê a possibilidade de negociação de férias entre empregado e empregador para os períodos futuros e para organização de caixa durante a instabilidade econômica, possibilitando ao empregador adiar o pagamento de 1/3 até o prazo de pagamento do 13º salário.

Consigne-se que neste período de calamidade não será aplicada a regra do artigo 145, da Consolidação das Leis Trabalhistas, que exige o pagamento antecipado, adiando-o para o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias. Na modalidade coletiva, a MP suspende a exigência para os limites fixados de dias corridos e dispensa a comunicação ao Sindicato e ao Ministério da Economia – antigo Ministério do Trabalho e Emprego. A única exigência de comunicação será ao grupo de empregado afetados coletivamente, devendo-se respeitar ainda, a antecedência de 48 horas para tanto. 

Jornada de trabalho e Feriados:

Em relação à jornada de trabalho, propriamente dita, a Medida Provisória traz algumas sugestões para gerenciamento dos dias parados como, por exemplo, a antecipação de gozo de feriados, a fim de que esses sejam utilizados como compensação do saldo em banco de horas, à exceção dos feriados religiosos, cuja compensação dependerá de concordância do empregado. No que se referente ao banco de horas, os dias referentes ao período de calamidade poderão ser compensados em favor do empregado ou do empregador, desde que haja instrumento coletivo ou individual formal. 

Cumpre dizer ainda que as exigências para compensação estão restritas ao prazo de 18 meses, estando autorizado o labor extraordinário de até duas horas por dia, cuja jornada não poderá exceder dez horas diárias. 

Diferimento dos depósitos fundiários:

Ainda como medida de auxílio ao empregador para organização de seu fluxo de caixa, a MP trouxe a possibilidade de adiar o pagamento do FGTS referente às competências dos meses de março a maio, sendo permitido o parcelamento sem que incida atualização. Ressalte-se ainda que esse período também não contará para fins de prazo prescricional. 

Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, o empregador deverá recolher os meses em aberto. O inadimplemento na forma acordada, além de multa, ensejará o bloqueio do certificado de regularidade, cujos prazos daqueles que foram emitidos anteriormente à data de entrada da MP ficam prorrogados por noventa dias. 

Suspensão de Exigências Administrativas em Segurança e Saúde no Trabalho:

Fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, com exceção dos exames demissionais.

Fica, igualmente, suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, que estejam previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.

Extinção da empresa Por Força Maior ou Fato do Príncipe:

Tal medida, diferentemente das supracitadas, não decorre da Medida Provisória, mas do artigo 502 da CLT. No entanto, não podemos deixar de citá-lo, posto que tem sido uma medida alternativa a ser utilizada, no intuito de diminuir eventuais passivos trabalhistas das empresas neste cenário de crise.

Havendo motivo inevitável, sem qualquer participação do empregador, e que tenha abalado, sobremaneira, as finanças da empresa, se houver necessidades de rescisões contratuais, em decorrência da extinção da empresa ou por suspensão temporária por ato do Governo, as indenizações previstas na legislação serão reduzidas à metade daquelas devidas, nas hipóteses de dispensa sem justa causa (para o regime obrigatório do FGTS, desde a Constituição de 1988, indenização seria de 20% - e não mais 40% - do saldo dos depósitos em conta vinculada). Além disso, fica isento o empregador do pagamento da indenização do aviso prévio, exatamente, em razão da já mencionada imprevisibilidade do evento.

Em síntese, sem pretender a possibilidade do esgotamento do tema, pode-se concluir, por ora, que haverá um grande desafio a ser enfrentado, pelos empregadores e empregados, dada à grande incerteza dos dias vindouros.

A ordem máxima é sobreviver e preservar o estado clínico do indivíduo, garantindo-se assim o mínimo de sustentabilidade para os dias previstos em devastação. Certo é que a saúde financeira se faz de suma importância aos principais sujeitos da relação do trabalho e que é dever constitucional do Estado preservar a ordem pública, mantendo incólumes os cidadãos e seus respectivos patrimônios.

*Pedro Henrique Di Giorgio Marzabal, Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho, com ênfase no consultivo preventivo

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