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O saber

12 setembro 2014 - 00h00Guido Bilharinho
Em arte ficcional (romance, conto, novela, filme), comumente se considera boa a obra que, por uma série de motivos, agrada. Restringe-se, pois, a capacidade de compreensão e percepção à agradabilidade proporcionada pela perfeição de espetáculo, que reúne, simultaneamente e em doses certas, série de ingredientes, que, tratados daquela maneira e postados naquela ordem, galvanizam a capacidade emocional do leitor ou espectador a ponto de fazê-lo concentrar-se (e entregar-se desarmado) à magia do manuseio competente de elementos adredemente preparados e aptos a levá-lo a acolher prazeirosamente a realização.

É o que acontece quando a habilidade manipuladora atinge e conquista as mentes predispostas a aceitar a exata dosagem dos fatores necessários a prender a atenção, despertar a curiosidade, vibrar as emoções e, enviesadamente, por artimanhas e confeitos vários, dar-lhes falsos alimentos para a inteligência intelectiva, que saboreia contrafações, quimeras, incidentes e quebra-cabeças habilidosamente impingidos.

Com raras exceções, porque algumas poucas obras de sucesso, apenas para contrariar a regra, são boas, é o que ocorre com a esmagadora maioria das que obtêm êxito de público.

Enganam-se, pois, aqueles que confundem seu gosto e aquilo que o agrada com valor artístico. Sem exceção, porque essa regra, por exceção, não a admite, nenhuma pessoa não cultivada culturalmente possui critério de avaliação artística para distinguir, em cinema por exemplo, entre o mero produto industrial e a verdadeira e consistente obra de arte. E não possui, simplesmente porque, como constata a sabedoria prática popular, “ninguém nasce sabendo”. Ninguém, por exemplo, consegue ler ou guiar um veículo - duas das habilidades mais comezinhas de nosso tempo - sem antes, de uma ou de outra forma, submeter-se a adequado aprendizado.

Com muito mais razão, nenhuma pessoa está abalizada a julgar filme, quadro, livro ou qualquer animal de raça - gado zebu, por exemplo - sem que, alicerçando esse julgamento, estabeleça-se sólido conjunto de referências, informações e conhecimentos sobre a matéria em exame e avaliação.

O pior - e, por isso, o mais comum, já que mais cômodo e fácil - é o fato das pessoas não se interessarem em aprimorar e aprofundar o conhecimento das coisas, contentando-se,  apenas, em ter e ostentar opiniões generalizadas sobre tudo, desde ufologia ao futebol até questões às mais intrincadas da origem e destino do ser humano. Como afirma o cineasta francês Cédric Kahn, “as pessoas não querem saber, querem acreditar”. Por isso, nada sabem e, por nada saberem, desconhecem o pasmoso grau de sua ignorância. Aliás, nem a admitem, porque, fazê-lo, já é manifestação cognitiva, consciente e, isso, elas não têm, chafurdando-se no pântano pegajoso da estúrdia felicidade do desconhecimento, julgando-se, porém, portadoras da máxima proficiência. Não é à toa, muito ao contrário, que se afirma que só o sábio conhece o quanto é ignorante.

Por isso, também se diz que entre o sábio e o idiota, o mais sábio é este último por julgar saber tudo.

Normalmente, as pessoas são pretensiosas, contendo-se e contentando-se nas estreitezas do círculo em que vivem e atuam. Essa pretensão, contudo, não se confunde com objetivo, desejo ou desígnio de ser ou de realizar alguma coisa de útil e/ou de valor, mas, com a satisfação consigo mesmas e com o que são. Se isso as livra da depressão e do desespero, funcionando como mecanismo de apoio e compensação, as tornam, também, desinteressadas e destituídas de curiosidade intelectual. Desejam apenas divertir-se, passar tempo e reforçar seu arsenal de preconceitos, continuando a suportar o mundo e a suportar-se.

No âmago dessa falta de interesse reside a astenia e a preguiça mental, que, todavia, não as impede de dedicar-se, às vezes com denodo, impulso e constância, às tarefas práticas da vida, aquelas, justamente, que as afastam do trabalho de estudar, pensar e adquirir conhecimento.

Não pretendendo conhecer o mundo, exercitando suas possibilidades intelectivas, sujeitam-se, em consequência, a com ele conviver conforme os condicionamentos e limitações  estabelecidas e, quando muito operosos, mais não fazem do que reforçar tais mecanismos, aumentando seu grau de submissão.

Daí, tudo que é fácil (e falso), tudo que é agradável, simples ou simplório, as satisfaz a ponto de abominarem o que requer elaboração, esforço, inteligência e sensibilidade. A complexidade das coisas e a profundidade da percepção as apavora a ponto de execrá-las, tomando como padrão de conhecimento justamente o fosso de sua ignorância geradora de incompreensão.

Apenas o que atinge - ou não ultrapasse - o ínfimo patamar da emoção as conquista e satisfaz, desconhecendo - como a tudo o mais - que a emoção não constitui qualidade, mas, elemento  congênito do ser humano que não se desenvolve nem se aprimora, podendo (e muitas vezes devendo) apenas ser controlado.

Já a inteligência e a sensibilidade, atributos do ser humano, são passíveis de ampliação, desenvolvimento e aperfeiçoamento ilimitados, exigindo, porém, para isso, esforço e empenho permanentes, verdadeiras blasfêmias para sua pastosa preguiça mental. (do livro inédito Reflexões e Observações)

Guido Bilharinho - advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional, entre eles, Brasil: Cinco Séculos de História, inédito.

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