Com a proximidade da COP30, que ocorrerá em Belém do Pará em novembro de 2025, os olhos do mundo se voltam para o Brasil. Não seremos apenas o anfitrião, mas temos o potencial de liderar uma agenda ambiental planetária. Uma chance de ouro para mostrarmos liderança em temas como clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável.
Na mesma semana em que os Estados Unidos anunciaram uma nova rodada de tarifas contra produtos brasileiros — o chamado tarifaço de Trump, focado principalmente em commodities agrícolas — o Congresso nacional avança com o PL 2.159/2021, corretamente apelidado por organizações ambientais e cientistas como "PL da Devastação". A proposta desmonta o licenciamento ambiental brasileiro e, em nome de uma suposta celeridade desenvolvimentista, afrouxa regras que hoje garantem alguma previsibilidade e segurança jurídica na relação entre produção e sustentabilidade. Ou seja, joga o Brasil no sentido oposto das exigências internacionais.
No cenário internacional, os ventos mudam como o humor dos mercados — voláteis, sensíveis a sinais e implacáveis com quem ignora os alertas. Embora as ameaças do errático presidente norte-americano tenham sido atenuadas por uma lista de exceções, ainda existe a perspectiva de perdermos competitividade junto ao mercado consumidor norte-americano. Como sair dessa? Uma das alternativas é a busca por negócios alternativos. Se o Brasil pretende contornar os prejuízos impostos pelas novas tarifas trumpistas, fortalecer o comércio com outros segmentos internacionais deveria ser prioridade. E o mundo — especialmente a União Europeia ou países asiáticos desenvolvidos — está cada vez mais exigente em relação à rastreabilidade socioambiental de produtos. Países e consumidores querem garantias de que não estão financiando desmatamento, trabalho análogo ao escravo ou destruição de ecossistemas.
A incoerência salta aos olhos
De nada adianta senadores visitarem os EUA e fazer lobby pela exportação do agronegócio se os próprios parlamentares defenderam, com entusiasmo pueril, o PL 2.159/2021. É um cenário tragicômico. Um projeto que, se aprovado em definitivo, amplia as exceções ao licenciamento ambiental, facilita obras com potencial de causar grandes impactos socioambientais e fragiliza os mecanismos de participação pública e controle social. Em outras palavras, atenta contra a governança ambiental moderna.
Um Policy Brief recém-publicado por mais de 80 cientistas de diferentes instituições brasileiras, inclusive este escriba que teima em observar de perto a política ambiental, aponta de forma clara os riscos desse projeto. O documento, intitulado “O Brasil em Risco: os impactos do PL 2.159/2021 na sustentabilidade e na governança ambiental”, pode ser acessado na íntegra neste link. Nele, destaca-se que a proposta vai na contramão de evidências científicas e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção da Diversidade Biológica, o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nesse contexto, é urgente compreender que o licenciamento não é um entrave ao desenvolvimento, mas uma salvaguarda mínima contra desastres — como Mariana, Brumadinho e tantos outros.
O Brasil na contramão
Enquanto países investem em transição ecológica, inovação verde e reindustrialização sustentável, nosso Congresso brinca com fogo — enfraquecendo normas ambientais sob a desculpa da desburocratização, mas servindo, na prática, aos interesses imediatistas de setores atrasados do agronegócio e da mineração.
Ignorar a ciência e ceder a pressões de esferas que resistem à modernização é, além de irresponsável do ponto de vista ambiental, um erro estratégico grave. Estamos em um momento de transformação global, em que sustentabilidade deixou de ser “acessório” e passou a ser o coração das decisões econômicas, políticas e comerciais.
Não se trata de um debate ideológico, mas de bom senso. O mundo quer — e precisa — de alimentos, energia e matérias-primas produzidos com responsabilidade ambiental. Quem não se adaptar, ficará para trás. E o Brasil, com sua megadiversidade e capacidade técnica, poderia estar na liderança.
É preciso dizer com todas as letras: sem responsabilidade ambiental, não há soberania nem sustentabilidade econômica que perdure. Se não agirmos com visão de futuro, não só perderemos espaço no comércio internacional — perderemos também nossa credibilidade como nação capaz de liderar soluções para a crise climática.
A COP30 está logo ali. É hora de escolher de que lado da história queremos estar. Mas, por ora, parte expressiva de nossos políticos escolhe o caminho inseguro da contramão.
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Tarifaço trumpista e os riscos para o Brasil (Pixabay)



