Mato Grosso do Sul é um estado privilegiado. Temos aqui algumas das paisagens mais admiráveis do Brasil — rios cristalinos, florestas nativas, porções do Cerrado ainda conservado e o magnífico Pantanal, orgulho de todos. Sem medo de errar podemos dizer que é uma terra afortunada. Mas o que sustenta essa riqueza natural não está apenas na paisagem visível. Está na biodiversidade: o conjunto de todas as formas de vida, desde uma magnífica onça-pintada até uma colônia de bactérias, invisíveis a olho nu, mas que permitem a ciclagem de nutrientes do solo. Conectada, toda essa trama de vida torna possível nossa existência.
Biodiversidade não é só "coisa de ambientalista", tantas vezes atacados de maneira injusta. É assunto de saúde, de economia, de segurança, de lazer e de futuro. É ela que garante os ciclos do clima, purifica a água, fertiliza o solo, ajuda no controle de pragas, fornece polinizadores, gera alimentos e remédios. Cada animal, cada planta, cada micro-organismo tem um papel — e todos estão conectados. É o ar que respiramos, a água que nos dá vida, o alimento que nos nutre e até uma parcela dos medicamentos que nos curam. Mas, apesar de tudo isso, ela ainda é pouco percebida para a maioria das pessoas.
E há um grave problema: essa rede da vida está se rompendo. Estamos perdendo biodiversidade em ritmo alarmante. O colapso de hábitats, a poluição química, a contaminação dos rios, a entrada de espécies exóticas e o desequilíbrio climático estão corroendo o tecido que nos sustenta. Silenciosamente. Mesmo quando a gente não vê o impacto imediato, ele chega: seja na seca que castiga o campo, na pesca que desaparece, no aumento de doenças ou na perda de produtividade por eventos extremos. Esse processo coloca em risco o que temos de mais precioso.
Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que 98% dos brasileiros se declaram preocupados com o meio ambiente, sendo que 77% demonstram alta preocupação. Mas quando aparece um conflito — entre conservar e explorar, entre preservar e produzir — a balança geralmente pende para o lado mais cômodo e imediatista. É o famoso "sou a favor, mas não aqui, não agora".
Essa distância entre o discurso e a prática tem várias causas. Parte expressiva da população já não tem mais contato direto com a natureza no dia a dia. Outra parte está imersa em um turbilhão de informações confusas. E há também o medo legítimo de perder renda, emprego, liberdade. Tudo isso precisa ser ouvido com atenção.
Mas é justamente por isso que a comunicação é hoje uma das armas mais poderosas que temos para reaproximar as pessoas da natureza. Não para impor ideias, mas para lembrar que somos parte dessa trama de vida — e que sem ela, não há futuro possível. Quando bem-feita, a comunicação ambiental é uma ponte entre ciência, tradição, espiritualidade e economia. Ela nos ajuda a entender que cuidar da biodiversidade não é só uma escolha ética, mas também uma estratégia inteligente de futuro. Porque a prosperidade verdadeira — a duradoura — depende da saúde dos rios, das florestas, das relações entre as espécies e das pessoas.
Há uma janela de oportunidade aberta. Mas ela não ficará aberta para sempre. Cabe a nós — cientistas, educadores, jornalistas, artistas, ativistas, cidadãos — transformar o encantamento pela vida em compromisso com a biodiversidade. E fazer da comunicação uma aliada nessa jornada que, no fundo, é sobre nós mesmos: sobre o que queremos ser como espécie, e que planeta queremos deixar como legado.
O falso dilema entre conservar e produzir
É hora de falar de biodiversidade com clareza e agir com respeito e coragem. Na semana em que o Congresso Nacional deve votar o PL 2.159/21, mais conhecido como o “PL da Devastação” por flexibilizar o licenciamento ambiental, é preciso sensibilizar a sociedade e agir. Mostrar que cuidar da natureza não significa “travar o progresso”, mas sim garantir que o desenvolvimento seja duradouro, justo e perene. Mostrar que preservar não é abandonar a produção, mas sim investir em inteligência, inovação e equilíbrio. Mostrar que um campo saudável, um rio limpo e uma mata viva são, acima de tudo, patrimônio coletivo da população brasileira.
Mato Grosso do Sul pode — e deve — ser referência de um modelo de desenvolvimento em que produção e conservação caminhem juntas. Onde os filhos da terra sintam orgulho não só do que colhem, mas também do que protegem. Para isso, precisamos fortalecer o diálogo entre ciência, tradição e futuro. E esse diálogo começa com palavras, mas precisa virar atitude. Em um mundo em que as pessoas desconfiam das instituições e se sentem impotentes diante de crises globais, precisamos de narrativas fundamentadas na realidade dos fatos e que deem sentido à ação. Precisamos resgatar a noção de que somos parte — e não donos — da natureza. De que cuidar do planeta é cuidar da nossa própria saúde, da justiça social e do nosso futuro comum.
Passou da hora de colocar a biodiversidade no centro do debate. Ela precisa deixar de ser uma pauta de especialistas e passar cada vez mais a ser um tema transversal — na educação, na cultura, nas políticas públicas, nas conversas do dia a dia. E isso só será possível se usarmos a comunicação com estratégia, sensibilidade e propósito.
Biodiversidade é muito mais do que uma pauta ambiental: ela é a base da vida, aqui e agora. E defender a vida, aqui neste chão de tantas belezas e oportunidades, é um dever que todos nós — urbanos e rurais, jovens e mais velhos, homens e mulheres — precisamos assumir. Enquanto há tempo.
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