Menu
Menu
Busca sexta, 26 de julho de 2024
Secovi - Julho24
Opinião

Ciência com ética

08 novembro 2013 - 00h00Ruy Martins Altenfelder Silva
Recentes invasões de centros de pesquisas por ativistas reacendem o velho debate sobre o uso de animais em experimentos voltados à área da saúde. Aliás, a ação dos protetores das cobaias já chegou às faculdades de medicina: na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, uma aula prática sobre a realização de traqueostomia (procedimento que livrou da morte milhões de pessoas ameaçadas de sufocação, em todo o mundo) foi interrompida por um protesto em defesa dos porcos utilizados pelo professor para a demonstração da técnica – aliás, prática permitida.

A questão, pelo jeito, não chegará tão cedo a um consenso. Mas talvez uma maior disseminação de informações corretas, por parte dos pesquisadores, e uma melhor avaliação das consequências das invasões, por parte dos manifestantes, permitam estabelecer limites civilizados entre os adeptos das duas vertentes de opinião. Essa conciliação evitaria, por exemplo, a perda de anos de custosos estudos científicos e o atraso na descoberta de novos e esperados medicamentos que curem doenças letais ou aliviem o sofrimento dos pacientes – tanto humanos quanto animais.  Outro fator fundamental para a, digamos, pacificação nesse campo adviria do conhecimento e do respeito, pelas duas partes, à legislação brasileira sobre experimentações científicas com animais. Aliás, é importante destacar, as nossas leis nesse sentido estão entre as melhores do mundo.

Boa parte da excelência desses parâmetros, que balizam a também reconhecida qualidade de órgãos e conselhos de fiscalização, se deve a uma das muitas contribuições aos saberes e à educação realizadas pelo médico William Saad Hossne, eleito Professor Emérito CIEE/Estadão 2013. Ele se destaca pela militância bem sucedida nessa área polêmica, embora estratégica para a própria evolução das condições de vida da sociedade. Mestre em bioética, ele mergulhou num campo transdisciplinar que envolve a biologia, as ciências da saúde, a filosofia e o direito. Com essa sólida base, a bioética estuda a dimensão ética dos modos de tratar a vida humana e animal, em pesquisas científicas e suas aplicações. Em outras palavras, busca aliar uma perspectiva humanista aos avanços tecnológicos na área da saúde, entre os quais despontam temas delicados – e ainda não consensuais –,  como clonagem, fertilização in vitro, transgênicos, pesquisas com células-tronco, uso de animais em pesquisas e outros.

Ciclicamente, essa questão volta ao debate, pois, como ensina Saad, cada salto da ciência cria problemas éticos, que não podem ser resolvidos apenas por cientistas de uma área. Ele alerta: é necessário chamar outras disciplinas para criar um balizamento ético, pois, sem esse cuidado, a sociedade pode se autodestruir. Recorrendo à generosa partilha de ideias, que o professor Saad promoveu ao longo dos seus bem vividos (e ainda muito ativos) 86 anos, o século 20 foi palco de  cinco revoluções: a atômica, a molecular, a das comunicações, a do espaço sideral e a da nanotecnologia. Agora, já estão aí, no dia a dia, os sinais de um novo salto, resultante da integração dos cinco anteriores no que se pode chamar de tecnociência. A ética da sexta revolução herdará algumas características da bioética, cuja prática implica a livre escolha de valores. Ou seja, coação, coerção, sedução, exploração, manipulação ou qualquer mecanismo de inibição a essa liberdade são fraudes incompatíveis com o exercício ético.

O exercício da bioética, como ainda ensina o mestre, permite a resolução de conflitos que acompanham os avanços da ciência, com o respeito a valores que sempre pautaram as grandes conquistas da humanidade: humildade, grandeza, prudência e solidariedade. “Como referencial, a solidariedade se articula com os demais referenciais da bioética: autonomia, justiça, equidade, vulnerabilidade, não maleficência, beneficência, prudência (phronesis e sophrosyne), alteridade, responsabilidade, altruísmo”, diz Saad.

Seus escritos mostram que ele também gosta de filosofar. Assim, pergunta: o que faremos com tanto poder, concedido pela ciência? A resposta ele encontrou no livro Tempos interessantes, no qual o historiador inglês Eric Hobsbawn lembra que o mundo não vai melhorar sozinho. Mas certamente melhorará – e muito – se contar com posturas solidárias, humanistas e inteligentes, como as adotadas por Saad ao longo de sua trajetória, na qual buscou conciliar.

Ruy Martins Altenfelder Silva - presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).

Reportar Erro

Deixe seu Comentário

Leia Também

Fayez Risk
Opinião
OPINIÃO: Como renovar as edificações do Centro e gerar desenvolvimento
Fayez Rizk
Opinião
OPINIÃO: Como recuperar o centro de Campo Grande
Ruy Castro, jornalista e escritor
Opinião
Opinião: No que isso vai dar
Fayez Risk
Opinião
OPINIÃO: O conforto perdido no centro da cidade
Ciro Nogueira, senador e ex-ministro-chefe da Casa Civil
Opinião
OPINIÃO: As eleições da França e a lição para o Brasil
O advogado, Sergio Maidana
Opinião
OPINIÃO: Coração Peludo
Fayez Risk
Opinião
OPINIÃO: O Centro de Campo Grande ainda tem solução
Funtrab tem vagas para carreteiro, auxiliar de limpeza e pedreiro
Opinião
Funtrab tem vagas para carreteiro, auxiliar de limpeza e pedreiro
Fayez Risk
Opinião
OPINIÃO: Plano Lerner na história do desenvolvimento urbano de Campo Grande
Fayez Risk
Opinião
OPINIÃO: OS ELEFANTES DA VERTICALIZAÇÃO

Mais Lidas

Happy Land, Mundo Encantado da Disney, em Brasília
Comportamento
Um pedaço da Disney em Campo Grande? Parque e personagens chegam em agosto
Centro de Campo Grande
Cidade
Campo Grande lidera ranking de capital mais competitiva em Capital Humano do Centro-Oeste
Escola Sesi oferta 104 vagas de gratuidade integral na educação básica
Educação
Escola Sesi oferta 104 vagas de gratuidade integral na educação básica
Desembargador aposentado Paulo Alfeu Puccinelli, foi Vice-Presidente do TJMS no biênio 2009-2011 -
Justiça
MP pede nova perícia financeira em ação contra desembargador que 'favoreceu' Jamil Name