Ontem, terminei o livro “ Um rio chamado tempo, uma casa chamado terra” de Mia Couto, neste ínterim entre uma forte gripe que me abate desde semana passada.
Mia Couto é escritor Moçambicano, portanto escreve em português, e a editora no Brasil conservou o texto original. Uma obra para ser lida e relida, cheia de filosofia, cheia de esperança, cheia de misticismo.
No decorrer do livro, tem a narrativa de uma história do filho “do meio” da família interioriana, protagonista do livro, qual discute a decisão de se alistar na guerrilha que combatia os portugueses, estes invasores com quase 500 anos de colonização forçada a pólvora e violência.
O filho “Fulano Malta” se reúne com sua esposa “Mariavilhosa” e seu pai “Dito Mariano”, anuncia que se alistará na guerrilha. O pretendente ainda é jovem, sua esposa é jovem e bela, e seu pai um homem sábio, que só queria gozar a sua humilde vida com as suas crenças africanas e conservar sua família no vilarejo. No momento da reunião, o jovem Fulano Malta solta uma frase de efeito, retirada do poema do revolucionário Angolano, Agostinho Neto, qual o pai o interpela. Uma reflexão muito bonita sobre “política”, vejamos:
“ E a razão da sua decisão estava ali consumada num simples panfleto que ele tirou de um saco, todo enrodilhado. Aproximou-se da luz do xipefo e leu, tudo soletrado:
- “Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É preciso que a pureza e a justiça existam dentro de nós.”
- Esse que escreveu isso é um homem bom. Mas está sozinho. (* respondeu o pai Dito Mariano)
E Fulano prosseguiu, puxando a corda da razão. Que os descontentes todos se haviam unido e estavam movendo o mundo para um outro futuro.
- Tenho medo desse futuro, meu filho. Um futuro feito por homens descontentes?
O avô se erguera, confiante em suas razões. Ele já tinha visto os homens. E aqueles não eram diferentes do que ele conhecera antes. Começamos por pensar que são heróis. Em seguida, aceitamos que são patriotas. Mais tarde, que são homens de negócios. Por fim, que não passam de ladrões.
- Nem todos são assim, pai.
- A maior parte, meu filho. A maior parte...
- Para mim basta que haja apenas um que seja puro.”
(Mia Couto – Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra)
A sabedoria do velho Dito Mariano estava certa, Fulano Malta foi para a guerrilha, foram vencedores, depois, voltou para sua cidade natal e viveu frustrado a vida inteira, sabendo que foi manipulado e enganado, e que somente queriam mudar os donatários do poder.
Assim é a política, e infeliz de quem acredita em ideal diferente do que não o poder pelo poder. Na maioria das vezes, o homem procura o poder para si, sem pensar em um futuro coletivo, se colocando como justo e revolucionário, depois se acomodando nas luxúrias que o poder proporciona.
Assim devemos entender o mundo, mas o fanático idolatra o “grande líder”, o “grande homem”, qual ele acha que é o “único” justo existente, e para ele este único vale a guerra e colocar sua vida em risco por causa desta pessoa.
Os acontecimentos de Brasília no último domingo, ilustra bem esta realidade aqui no Brasil. Pessoas fanatizadas resolveram quebrar tudo e perder a consciência de civilidade, em busca de um ideal qual nem os violentos manifestantes sabem qual é. Acham que o político que apoiam é puro, porém, atacam sem pureza a tudo e a todos.
Necessário bom senso e reflexão por um mundo melhor, qual não construiremos com apartheid, e sim com união e racionalidade. O bom homem, qual muitos pregam, não podem coadunar com a violência e o perigo para os seus, o bom homem quer o bem dos seus. Acreditar em políticos profissionais não é inteligente, assim como usar a violência para impor aos seus semelhantes algo, não é cristão.
E como disse o pai de Fulano Malta na história do livro, a cantilena dos políticos “revolucionários” que querem mudar o mundo é a mesma. Primeiro se acham heróis, depois patriotas, após chegarem ao poder se tornam negociantes, e depois o enxergamos como ladrões. Assim, o sábio Dito Mariano percebia que na política só muda de homens, mas as histórias são iguais, pois o homem não mudou nada nos últimos dois mil anos.
Pense nisso: vale a pena brigar por político A ou B?
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