O senador Otto Alencar (PSD-BA), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, afirmou que o Projeto de Lei da Dosimetria, da forma como foi aprovado pela Câmara dos Deputados, “não tem a menor chance de passar na CCJ”.
Às vésperas do recesso parlamentar, o senador classificou a proposta como “pró-facção” e disse ser “absurdo” que o Congresso discuta um texto nesses termos. Para Alencar, parte dos apoiadores do projeto sequer leu ou compreendeu o alcance das mudanças previstas.
Aprovado na Câmara na quarta-feira (10), por 291 votos a favor e 148 contra, o PL da Dosimetria é resultado de um acordo costurado entre lideranças da Câmara, do Senado, setores do Supremo Tribunal Federal e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O texto foi apresentado como alternativa após a rejeição da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, defendida pela ala bolsonarista. Diante do recado do Centrão de que a anistia estava fora de cogitação, o grupo aceitou avançar com a dosimetria.
Na prática, o projeto altera regras de aplicação e progressão de penas. Ele prevê que o crime de golpe de Estado, com pena de 4 a 12 anos, absorva o de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, cuja pena varia de 4 a 8 anos. Além disso, reduz o tempo mínimo para progressão de regime, permitindo a saída do regime fechado após o cumprimento de um sexto da pena, enquanto a legislação atual exige um quarto em diversas situações.
É nesse ponto que surgem as principais críticas e contradições. O PL da Dosimetria caminha na direção oposta do PL Antifacção, já aprovado no Senado, que endurece as regras penais para o combate ao crime organizado. Enquanto o projeto antifacção aumenta o tempo mínimo de cumprimento de pena para crimes graves, elevando, por exemplo, de 40% para até 70% o percentual exigido para progressão em crimes hediondos , a proposta da dosimetria suaviza essas exigências ao manter ou reduzir os percentuais atualmente aplicados.
Segundo o defensor público e professor de Direito Penal Gustavo Junqueira, a coexistência dos dois projetos cria um cenário de conflito jurídico. “São textos contraditórios, que apontam para direções opostas. Se aprovados, vão gerar insegurança jurídica e disputas sobre qual regra deve prevalecer”, avalia. A tendência, explica, é que a norma que entrar em vigor por último acabe se sobrepondo, o que abre espaço para judicialização em massa.
O ponto mais sensível, segundo especialistas, é que o PL da Dosimetria não se limita aos crimes ligados ao 8 de janeiro. Ao alterar o artigo 112 da Lei de Execução Penal, o texto reduz o tempo necessário para progressão em uma série de crimes violentos que não são classificados como hediondos. Com isso, condenados por delitos como resistência com violência, coação no curso do processo e lenocínio violento poderiam passar a progredir de regime após cumprir apenas um sexto da pena.
Na avaliação de Junqueira, essa mudança pode beneficiar integrantes de facções criminosas como PCC e Comando Vermelho, especialmente em casos que não se enquadram formalmente como crimes hediondos. “São dezenas de crimes que hoje exigem 25% ou 30% da pena para progressão e que passariam a exigir apenas 16,6%. Isso afrouxa o sistema de execução penal e contraria a lógica de endurecimento defendida em outros projetos”, afirma.
No Senado, o relator do PL da Dosimetria, Esperidião Amin (PP-SC), afirmou que pretende ajustar pontos sensíveis do texto para reduzir os conflitos com o PL Antifacção. O parecer deve ser apresentado na terça-feira (16). Ainda assim, líderes da CCJ avaliam que, sem mudanças profundas, a proposta dificilmente avançará. Além do embate político, o projeto pode abrir brechas legais que ampliem benefícios penais a condenados por crimes violentos, aprofundando a contradição entre o discurso de combate ao crime organizado e a flexibilização efetiva das penas
Reportar ErroDeixe seu Comentário
Leia Também

Gilmar Mendes vota para derrubar dispositivos do Marco Temporal e cita omissão da União

Petroleiros entram em greve cobrando reajuste real e fim de retrocessos

Ultrassom médica de Bolsonaro é autorizada por Moraes após pedido da defesa

Campo Grande se junta a capitais do país em protestos contra o 'PL da Dosimetria'

"O Agente Secreto" lidera público entre lançamentos nacionais de 2025

Brasil prepara primeiro lançamento comercial de foguete a partir de Alcântara

Caso Benício: Justiça revoga habeas corpus de médica por morte de criança com adrenlina

Queda de árvore mata mulher em ponto de ônibus em Guarulhos

PF deflagra operação contra irregularidades em emendas parlamentares


Senador Otto Alencar (PSD-BA), presidente da CCJ do Senado (Divulgação)



