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Em Campo Grande, negros assumem cabelo crespo e enxergam na atitude resistência

02 julho 2016 - 16h24Natália Moraes

Duro, “pichaim” ou bombril. Existem várias formas pejorativas utilizadas para denominar os crespos. Mas, moradores negros da Capital provam que não existe cabelo ruim: existe racismo no Brasil. Eles contam como foi o processo de assumir os fios naturais, e enxergam nas raízes uma forma de resistência.

Até os 16 anos, a universitária Agnes Duailib alisava os cabelos. Quando teve contato com o movimento negro, ela enxergou a beleza desta cultura. Ainda na escola, cortou a parte química, passou pela transição capilar e adotou o Black Power. O processo despertou em Duailib o amor próprio a outros traços afros, como o nariz. “Depois que a gente corta o cabelo, começa a pesquisar e procurar sobre, e tem várias pessoas que falam quão importante é amar a nossa cultura”.

O alisamento ainda é algo comum para quem escuta desde cedo que o próprio cabelo é “ruim”. Outra que passou pelo processo foi a professora Angela Batista, que alisava os cabelos desde os sete anos. Em 2014, ela fez o big chop, um tipo de corte curto para retirada da parte química, feito por quem decide voltar aos cachos. Mas, antes, já estava no processo de transição. Decidiu assumir o cabelo natural após perder muitos fios. “Quando eu decidi assumir minha identidade eu estava disposta a encarar a sociedade. Já estava cansada de alisar o cabelo e aquilo estava me entristecendo”, conta.

Hoje, Batista participa do grupo Movimento de Crespos e Cachos de MS, criado por ela e amigas com o objetivo de ajudar pessoas que estejam no processo de transição capilar na Capital. “Eu comecei a amar meus cabelos me amando, já tive auto-estima muito baixa e quando tive a decisão de assumir meu cabelo crespo a minha vida mudou e tive a oportunidade de ajudar várias meninas que estão num processo que eu já passei”, comenta.

Assumir o cabelo afro não é fácil em uma sociedade ainda racista. O universitário Marcelo Lima conta que, ao andar na rua, já escutou xingamentos como “curupira”, “vai cortar o cabelo, vagabundo”, dentre outros. “É bem normal um olhar preconceituoso, já até consegui lidar, sempre vai ter alguém olhando”.

Com três anos de black power, Lima acredita que o cabelo é uma forma de resistência. “Existem várias formas de resistência, estética, de identidade...”. Ele explica que, apesar de alguns avanços, negros ainda enfrentam o racismo de diversas maneiras. Uma delas, no mercado de trabalho. “As pessoas têm que usar preso, cortar, é aquela dificuldade de você procurar um trabalho, ‘procura-se boa aparência’, ou seja, tem que ser branco”.

Angela Batista, por exemplo, já teve problemas para arranjar emprego devido ao black. “Uma diretora inclusive pediu para eu prender meu cabelo no expediente, as pessoas têm que abrir a mente e entender que um cabelo cacheado ou crespo faz parte do nossos genes. Por que eu teria que alisar para ser aceita pelos outros sendo que nasci assim?”, questiona.

O racismo invade espaços que muitas vezes não são visíveis para quem não sofre com ele. Um deles é o mercado de beleza. Há anos, mulheres negras têm lutado para que sejam reconhecidas, por exemplo, com tons de base apropriados para a pele. O cabelo é mais um caso. Felizmente, devido à pressão, Batista enxerga mudanças. “Já temos produtos próprios para nossos cabelos, que antes eram escassos, por exemplo. Tenho muita facilidade de achar produtos específicos para meu cabelo. O mercado está investindo muito neste público”, explica.

No entanto, salões de beleza voltados ao cabelo crespo são praticamente inexistentes na Capital.  Para Agnes Duailib, “a gente fala muito disso, queremos cortar o cabelo e não tem salão especializado no cabelo afro, não existem pessoas especializadas, nada para fazer um tratamento, a gente tem que assistir vídeos na internet e aprender”.

Para Marcelo Lima, a tendência do mercado mundial é priorizar uma estética branca. “Esse tipo de cabelo preto ainda continua  marginalizado, mas você vê ultimamente que tem havido um processo de aceitação por parte dessas empresas, vê mais comerciais com negros, pessoas negras fazendo papéis importantes no cinema”.

A informação veiculada sobre crespo não é a mesma que o liso. Assim como os entrevistados, muitas pessoas negras buscam referências na internet para amarem os cabelos e aprenderam a cuidar deles. Além disto, alguns cuidados diários ajudam. Duailib  lava o cabelo com xampu com extrato de erva, “porque ele abre a cutícula e limpa bem”, condicionador específico e desembaraça os fios no banho. Ao pentear, ela passa creme e faz “fitagem”, uma técnica que cria cachos definidos e volumosos. Já Batista lava o cabelo três vezes por semana com produtos livres de petrolato e parafina, “que fazem mal para o cabelo”. “Uso bastante óleos naturais para hidratar porque nosso cabelo perde muita oleosidade devido a estrutura ondulada”, explica.

Transição

Para os interessados em assumir o cabelo natural, existem vários recursos que ajudam a encarar o processo de transição. Dualib, por exemplo, faz tranças e dreads por preços entre R$25 e R$150. Em junho, criou a página na rede social Facebook,“Raiz”, para divulgar o trabalho e “enaltecer a cultura negra”. Ela faz dreads de lã, canecalon (tipo de fibra sintética) e do cabelo natural, e também tranças de nagô, Box Bread e embutida. Ela acredita que assumir o cabelo natural é um momento importante, onde ocorre o descobrimento e a aceitação de quem a pessoa é.

No caso masculino, os homens tendem a deixar o cabelo curto ou raspado. Para aqueles que querem deixar crescer, Lima aconselha a paciência. “É muito bonito, têm esses babacas que vão mexer, mas é um ato de resistência no final das contas, e tentem observar porque isso acontece, porque não somos considerados bonitos assim”.

Para Batista, a solidariedade é importante no processo de transição, onde é preciso coragem. “Digo para não sentir medo de cortar ou iniciar a transição capilar, é uma fase maravilhosa que a gente descobre várias coisas sobre nós mesmas, ajudamos a outras pessoas a se encontrarem também, a sociedade será cruel com a gente, mas o movimento está ativo para apoiar e empoderar. E claro, quem precisar de ajuda ou alguma dica ou conselho, estou aqui de braços abertos”, finaliza.

 

 

 

 

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